Se o menino do livro “Amanhã Eu Faço” estivesse escrevendo este texto, ele ia começar mais ou menos desse jeito:
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Sem nada. Vazio. Com um buraco. É que o personagem da história adora empurrar todas as obrigações com a barriga. Tomar banho? Daqui a pouco. Passear com o cachorro? Já já. Pedir desculpas para a irmã? Só mais tarde. Escovar os dentes? Depois. Lição de casa, então, nem pensar.
Você conhece alguém que também é assim?
“É uma circunstância muito comum, todos nós já passamos por ela. Por isso, o livro nasceu muito rápido. Quando comecei a escrever, em duas tardes ele já estava pronto”, conta o escritor e músico Arthur Nestrovski. Lançada pela Companhia das Letrinhas, a história tem texto do autor e ilustrações multicoloridas de Bernardo França, que faz o espevitado personagem principal saracotear pelas páginas como se fosse um terremoto em forma de criança.
Mas já que o assunto é procrastinação e a mania que temos de adiar atividades importantes, talvez duas coisas tenham passado pela sua cabeça. Primeiro, que o menino deve ser um baita preguiçoso. Depois, que o final da narrativa com certeza traz alguma lição de moral ou mensagem educativa sobre os malefícios de sempre atrasar as obrigações.
Só que não é nada disso. O personagem não quer moleza. Pelo contrário. Seu plano é rechear o tempo com coisas bem mais divertidas, tipo ficar no videogame, mergulhar em taças de sorvete, brincar e jogar futebol. Já o final está bem longe dos ensinamentos pedagógicos. O desfecho evita dar broncas e não faz nenhum juízo de valor sobre o assunto.
“Talvez os livros para crianças sejam a única coisa que eu faça de forma realmente livre. Não são encomendas, não têm plataforma pedagógica, nada”, fala Nestrovski. “Quando publico um infantil, eu me dou o direito de só fazer literatura, sem me preocupar com professores ou pais. Não quero saber quais são os preceitos didáticos mais importantes neste primeiro quarto de século 21. Quero contar uma história, trabalhar com a palavra.”
Mas “Amanhã Eu Faço” tampouco é pura rebeldia. A certa altura, o garoto percebe, sim, a importância de cumprir as tarefas na hora certa. “Engraçado. É bom fazer as coisas. Quer dizer, depois de fazer é sempre bom”, admite o narrador, dando-se conta de que nem tudo é só festa, bagunça e pernas para o ar.
“Existe essa ambiguidade. A arte é assim, tem suas contradições”, afirma o autor, que chega agora ao 11° lançamento infantojuvenil.
Antes, ele já tinha publicado para essa faixa etária títulos como “Histórias de Avô e Avó”, “O Livro da Música”, “Viagens para Lugares que Eu Nunca Fui”, além do premiado “Bichos que Existem e Bichos que Não Existem”, que venceu em 2003 do prêmio Jabuti de melhor obra de ficção do ano.
Com mais de duas décadas escrevendo para crianças e jovens, Nestrovski faz questão de deixar claro que não tem nada a ver com o garoto de “Amanhã Eu Faço”. “Já tenho outro livro pronto com esse mesmo personagem. Ainda não posso falar mais, porque não acertei a publicação com a editora. Mas espero que saia em breve. Esse pequeno narrador tem mais coisas para contar.”
Mas vamos ver se ele vai topar, né? Talvez empurre o trabalho com a barriga e diga: “Outro livro? Deixa para amanhã. Depois eu conto essa história”.
Amanhã Eu Faço
Autoria: Arthur Nestrovski e Bernardo França. Ed.: Companhia das Letrinhas. R$ 64,90 (48 págs.).
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