Poucas indústrias parecem ter mais potencial para serem revolucionadas pela inteligência artificial do que o direito. Assim como jogos como o Go, que o DeepMind enfrentou para demonstrar o poder das redes neurais, os sistemas legais têm conjuntos de regras e precedentes. Dê a um modelo de IA dados suficientes e ele pode passar no exame da ordem.
Assim, o direito se tornou o alvo de muitas start-ups de IA, como a Harvey, uma empresa dos Estados Unidos que em julho arrecadou US$ 100 milhões com uma avaliação de US$ 1,5 bilhão de investidores, incluindo Google Ventures e OpenAI. Houve uma corrida paralela de atividades no Reino Unido, com três start-ups de IA jurídica —Genie AI, Luminance e Robin AI— arrecadando mais de US$ 100 milhões em financiamento combinado no ano passado.
O crescimento do Reino Unido é um produto da sobreposição de duas indústrias bem-sucedidas, uma antiga e outra nova: o direito comercial e o aglomerado de start-ups de IA, particularmente em Londres e Cambridge.
“Temos uma rica herança e alguns talentos incríveis. É uma vantagem competitiva”, diz Eleanor Lightbody, diretora executiva da Luminance, fundada em 2015 em Cambridge.
A Slaughter and May estava entre os primeiros investidores da Luminance, junto com a Invoke Capital do falecido Mike Lynch, e inicialmente se concentrou em reformar o modo como os escritórios de advocacia corporativa operam. Eles fornecem due diligence [investigação prévia] cara para transações como fusões e aquisições que envolvem advogados juniores analisando milhares de documentos. Isso parece um alvo ideal para a disrupção.
Mas as coisas não funcionaram exatamente assim, até agora. Grande parte da recente expansão em IA jurídica não veio da integração da tecnologia nos escritórios de advocacia, mas da automação da redação de contratos por empresas: os usuários da Genie AI incluem muitas empresas menores de manufatura e construção. Mais do que mudar a indústria jurídica, está permitindo que as corporações façam mais trabalho jurídico por conta própria.
Embora muitos escritórios de advocacia tenham experimentado a IA, a tradição de cobrar por hora de trabalho humano significa que usá-la muitas vezes equivale a reduzir receitas. “Minha recomendação para grandes escritórios de advocacia é não se preocuparem muito com IA generativa. Eles são pagos por sua expertise humana, não pela velocidade”, diz Rafie Faruq, cofundador e diretor executivo da Genie AI.
O mercado para redação de contratos em outras empresas também é muito maior. Departamentos jurídicos são frequentemente inundados com demandas internas para aprovar acordos com clientes e fornecedores.
“Há pessoas em todos os andares de todos os escritórios do mundo recebendo contratos, revisando-os e tomando decisões”, diz Eleanor Lightbody, que se juntou à Luminance vinda da Darktrace, outra empresa de IA apoiada por Mike Lynch.
As empresas podem carregar milhares de contratos existentes em modelos de IA, que analisam as cláusulas e os termos que costumam usar. A tecnologia pode usar esse conhecimento para ajudar a redigir novos contratos, mostrando onde são necessárias mudanças. A plataforma da Luminance destaca em vermelho e âmbar as cláusulas que requerem atenção humana e pode sugerir reformulações para garantir conformidade.
Isso é como ter um advogado experiente ao lado de um funcionário que está preparando um contrato: eles podem facilmente e de forma econômica recorrer a um grande banco de dados de conhecimento. A capacidade de pesquisar contratos passados de forma eficiente tem outros benefícios. As empresas podem, por exemplo, encontrar com maior facilidade quais clientes devem ser informados de um ataque cibernético em vez de contratar um escritório de advocacia para realizar uma revisão.
Muito do trabalho é rotineiro, e Faruq diz que advogados internos ficam felizes em se livrar dele: “Eles não querem escrever contratos chatos. Eles querem trabalhar em negócios de maior valor.” Mas as empresas também dependem de seus advogados para conhecimento institucional. Um modelo de IA que lê todos os contratos é um potencial rival.
A indústria de IA jurídica enfrenta suas próprias incertezas. Muito capital fluiu para start-ups que empregam modelos de IA padrão, personalizados com sua própria tecnologia. (Robin AI é baseada na Anthropic enquanto a Genie AI usa Anthropic e OpenAI). Se a tecnologia subjacente for semelhante e os dados de treinamento de estatutos legais e precedentes forem idênticos, as barreiras de entrada podem se mostrar baixas.
A Luminance foi fundada por especialistas em machine learning e tem seu próprio modelo de IA, treinado em 150 milhões de documentos legais. A Genie dá mais ênfase à sua biblioteca de 1.000 modelos que um agente de IA utiliza para redigir contratos legais do zero. “É impossível vencer os grandes provedores em IA”, diz Faruq.
A dura realidade de que nem todos sobreviverão está chegando à indústria de IA jurídica no futuro. Por enquanto, o fluxo de capital indica não apenas o potencial dessa tecnologia fora do direito, mas a força competitiva do Reino Unido.
Deixe um comentário