O ex-policial penal bolsonarista Jorge Guaranho, 40, foi condenado nesta quinta-feira (13) a 20 anos de prisão em regime fechado pelo assassinato do guarda municipal e militante petista Marcelo Arruda, então com 50 anos, em Foz do Iguaçu (PR).
O crime foi o mais emblemático da última campanha à Presidência, em 2022, e forçou um debate nacional sobre violência na política
A sentença foi lida pela juíza Michelle Pacheco Cintra Stadler, da 1ª Vara Privativa do Tribunal do Júri de Curitiba, após decisão dos sete jurados, sendo quatro mulheres e três homens.
O advogado de Guaranho, Ercio Quaresma, disse que vai recorrer, por considerar a pena excessiva, e buscar uma decisão liminar para mantê-lo em prisão domiciliar. “Ele não foi abençoado com o milagre de ficar bom. Então o Estado não tem condição de mantê-lo acautelado”, disse Quaresma.
Guaranho obteve a prisão domiciliar em setembro, mas, com a decisão do júri desta quinta, ele segue para o regime fechado.
O ex-policial penal foi acusado pelo Ministério Público de homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil (divergência política) e perigo comum (disparo de tiros em um ambiente com outras pessoas).
O promotor de Justiça Lucas Cavini Leonardi disse que a decisão do júri “reafirma o Estado democrático de Direito”.
“É um Estado que garante a todos a sua livre expressão”, disse. “É um recado muito bem dado pela sociedade de Curitiba de que quem comete um crime por ser intolerante vai pagar e vai pagar caro.”
Em 9 de julho de 2022, Guaranho invadiu a festa de Marcelo, que comemorava 50 anos de idade no salão de um clube em Foz do Iguaçu, junto com familiares e amigos.
O petista usava uma camiseta com a imagem do então candidato Lula, e a decoração fazia referências ao PT, como balões vermelhos. Guaranho e Marcelo não se conheciam, mas, ao saber do tema da festa, o então policial penal resolveu ir até o local gritando o nome de Jair Bolsonaro (PL) em provocação aos convidados.
No equipamento de som de seu carro, ligou uma playlist com músicas da campanha do então presidente. No depoimento que prestou ao júri, na noite de quarta-feira (12), Guaranho justificou que foi até lá “por brincadeira”. Acrescentou que hoje avalia ter sido uma “idiotice”.
No dia do crime, Marcelo respondeu à provocação, gritando “[Bolsonaro] na cadeia”, e, após uma rápida discussão com Guaranho, pegou terra e jogou no carro do policial penal. Guaranho foi embora, mas voltou pouco tempo depois.
No depoimento ao júri, Guaranho alega que voltou ao clube porque teria percebido que seu filho de pouco mais de um mês, que estava dentro do carro, teria sido atingido com um pouco de terra.
Em um vídeo apresentado pelo Ministério Público nesta quinta, a esposa de Guaranho fala em depoimento prestado ainda no início das investigações que a terra “acertou [seu filho], mas não de machucar”.
A defesa de Guaranho chegou a arrolar a esposa dele como testemunha no júri, mas a dispensou depois, e ela acabou não sendo ouvida.
Ainda no dia do crime, na segunda vez que apareceu na festa, Guaranho desceu do carro, e a policial civil Pamela Silva, companheira de Marcelo, mostrou seu distintivo, pedindo que ele fosse embora. Mas Guaranho viu Marcelo ao fundo, atrás de Pamela, e começou a atirar nele.
Marcelo foi atingido com dois tiros. Ele chegou a ser levado para um hospital, mas morreu na madrugada do dia seguinte, 10 de julho.
Ao longo do julgamento desta semana em Curitiba, realizado em três dias, a defesa de Guaranho sustentou uma tese pela qual Marcelo teria sacado a arma primeiro e, por isso, o policial penal teria atirado para se defender.
Mas o Ministério Público reforça que o primeiro a atacar foi Guaranho, que atirou três vezes antes de Marcelo devolver com seis tiros. Além disso, a perícia criminal informou que Guaranho e Marcelo fizeram “visadas simultâneas”, ou seja, apontaram a arma exatamente ao mesmo tempo.
A defesa também deu ênfase às agressões que o réu sofreu após atirar contra Marcelo.
Mesmo caído após ser alvejado por Guaranho, Marcelo conseguiu disparar contra o policial penal, que foi ao chão e também levou chutes de três homens que presenciaram toda a ação. A agressão é objeto de outro procedimento judicial, em trâmite em Foz do Iguaçu, no qual Guaranho figura como vítima.
Na fala ao júri, Guaranho trouxe um relato sobre sua condição física hoje. Ele disse que tem projéteis no corpo, sendo dois deles na cabeça, e que precisou fazer cirurgias, como um implante de osso na mandíbula. Acrescentou que o tiro no cérebro gerou “dificuldade para andar” —Guaranho utiliza muletas.
Ao longo do julgamento, os promotores de Justiça repetiram que o episódio das lesões não estava sendo tratado no júri. Também afirmaram que as pessoas que chutaram Guaranho após o tiroteio relataram agir por “pânico e revolta” e que elas não estão respondendo por tentativa de homicídio.
A tese de legítima defesa, repetida pelos defensores de Guaranho, foi mencionada pelo desembargador Benjamim Acácio de Moura e Costa, do Tribunal de Justiça do Paraná, em setembro de 2024, ao autorizar a prisão domiciliar ao réu.
As falas do desembargador foram utilizadas pela defesa de Guaranho, que chegou a exibir nesta quinta-feira alguns trechos da manifestação do juiz de segunda instância durante o julgamento do ano passado.
Embora estivesse em análise um pedido de habeas corpus, Acácio chegou a avançar no mérito do caso, afirmando que “não afasto em hipótese alguma a legítima defesa”.
“Eu iria até mais longe: para mim, é o típico caso de trancamento da ação penal. Porque é evidente que era matar ou morrer”, disse o magistrado. “A vítima que morreu é uma pessoa arrojada, um ser humano violento, talvez tanto quanto o réu”, continuou.
Em maio de 2023, ao conceder um habeas corpus a um outro réu por homicídio, Acácio disse que a vítima era uma pessoa de “má qualidade”, em uma decisão que na época ganhou repercussão nacional. As falas do desembargador sobre o caso de Guaranho são hoje alvo de uma representação no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
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