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Alcoolismo: Abstinência e redução de danos são estratégias – 11/03/2025 – Equilíbrio e Saúde


Bruno, 42, começou a beber cerveja por volta dos 15 anos, em festas da família. Aos 18 anos, iniciou um consumo abusivo. Bebia dias seguidos ou grande quantidade em uma só ocasião. Mas só buscou ajuda em um Caps AD (Centro de Atendimento Psicossocial de Álcool e Drogas) 20 anos depois, quando o alcoolismo já afetava o seu desempenho no trabalho.

Meu café da manhã era cerveja. Chegava a beber sozinho, em um dia, mais de dez garrafas de 600 ml. Se tivesse cachaça, bebia também”, diz ele, que é servidor público federal. Em 2022, conseguiu licença no trabalho e pediu para ser internado no Caps.

Ficou 17 dias em tratamento de desintoxicação da bebida. Depois disso, por um mês, frequentou o Caps durante o dia, das 8h às 16h, participando de oficinas e outras atividades.

A opção de Bruno foi por uma redução de danos. “Abstinência ainda não consigo. Mas resgatei a parte funcional da vida. Há um ano e meio, não bebo mais de manhã e de tarde, nem nos fins de semana. Tem dias que eu também não bebo à noite, tem dias que eu bebo um pouco e tem dias que eu bebo mais.”

Já a copeira Pamela, 37, busca a abstinência. “Para mim, redução [de danos] não funciona. Se eu tomar um gole, não tem parada. Meu pai é alcoólatra e está há 20 anos sem uso. Firmou-se na igreja [evangélica].”

Ela conta que começou a beber cerveja aos 17 anos nos fins de semana. A partir dos 23 anos, já casada e sofrendo violência doméstica, incorporou o uso de destilados e de cocaína. “Apanhava de manhã, de tarde e à noite. Às vezes, meu ex-companheiro chegava do trabalho e nem almoçava. Só me batia e ia embora.”

Separada, pediu à família para interná-la em uma clínica e lá ficou seis meses. Depois disso, casou-se de novo. Em fevereiro de 2023, após sofrer um aborto, teve a primeira recaída. “No começo, uma lata de [aguardente] Pitú já fazia efeito. Em quatro meses, eu bebia cinco latas por dia e não sentia nada.”

Há seis meses, o marido foi embora. “Foram muitas chances. Ele disse que não queria me ver morrer sem poder fazer nada.” Em novembro passado, Pamela foi novamente internada, dessa vez em uma clínica evangélica, mas fugiu do lugar e voltou a beber.

Em janeiro deste ano, pediu para ser internada no Caps AD. Quando estava prestes a sair, recebeu a notícia da morte da mãe e recaiu novamente. “A convivência com meu pai é muito ruim.”

Atualmente, Pamela frequenta o Caps todos os dias, de segunda a sexta, das 8h às 16h. Quando chega em casa, pede para o pai deixá-la trancada. “Se ficar destrancada, a qualquer momento posso sair e beber.”

Abstinência ou redução de danos? A literatura científica sobre o tratamento do uso abusivo de álcool aponta que ambas podem ser abordagens eficazes, dependendo do contexto e das necessidades individuais do paciente.

Para o psiquiatra Jair Mari, professor titular de psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o debate sobre o tratamento de dependências químicas, como alcoolismo, é excessivamente partidarizado, e os dois lados frequentemente se enfrentam em uma falsa dicotomia.

“Para aqueles que enfrentam uma dependência grave, a abstinência pode ser a única forma viável de reconstrução pessoal. Como disse Ruy Castro, ele não tem nada contra o álcool, mas é contra o álcool usá-lo. Para ele e para muitos que enfrentaram dependência severa, como Barbara Gancia, livrar-se do álcool foi essencial para continuarem suas trajetórias com sucesso.”

Ao mesmo tempo, Mari afirma ser fundamental reconhecer que cada indivíduo tem o direito de decidir o rumo de sua própria vida, e suas escolhas devem ser respeitadas desde que não causem danos significativos a si mesmo ou aos outros.

“O tratamento da dependência deve ser personalizado, levando em conta os valores e as escolhas do paciente. O papel do profissional não é impor um caminho único, mas auxiliar a pessoa a encontrar a melhor estratégia para sua realidade.”

Segundo ele, o principal critério para avaliar a eficácia do tratamento é o impacto na funcionalidade. Se a redução do consumo ocorre de forma equilibrada, permitindo que a pessoa mantenha sua vida ocupacional e interpessoal sem prejuízos significativos e com poucas recaídas, o tratamento pode ser considerado bem-sucedido.

É nessa premissa que está ancorado o conjunto de cuidados oferecidos pelos Caps AD (Centros de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas), que integram a rede de atenção à saúde mental no SUS (Sistema Único de Saúde). Há 35 deles na cidade de São Paulo. O tratamento é individualizado, conta com diferentes grupos terapêuticos, equipe multidisciplinar, uso de remédio e pode envolver ou não internação.

“Se o sujeito vem aqui e diz ‘eu quero parar’, vamos pensar numa estratégia para isso. Se ele diz ‘quero diminuir’, também vamos buscar caminhos para tentar chegar nesse objetivo. O tratamento é baseado no projeto terapêutico singular [PTS] de cada um”, explica a assistente social Tatiana Helena Silva, gestora do Caps AD III Paraisópolis.



Se o sujeito vem aqui e diz ‘eu quero parar’, vamos pensar numa estratégia para isso. Se ele diz ‘quero diminuir’, também vamos buscar caminhos para tentar chegar nesse objetivo. O tratamento é baseado no projeto terapêutico singular [PTS] de cada um

A Folha visitou o local, que é gerido pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde. Instalada em uma confortável casa perto de uma mata, a unidade tem oito leitos para internações que duram, em geral, 15 dias. Mas o período pode ser expandido de acordo com a condição clínica e evolução da pessoa, segundo Tatiana Silva.

Já acolhida diurna, da qual Pamela participa atualmente, é oferecida a pessoas que ainda têm dificuldade de ficar sem a bebida ou que precisam de ajuda para tomar medicação. A unidade tem o apoio de um farmacêutico que faz o monitoramento do uso dos remédios.

Os familiares também são convidados a participar do processo de tratamento. “As famílias são um ponto de apoio muito importante para a manutenção [do tratamento] e para que esse sujeito continue conosco”, diz a gestora. No dia que a Folha esteve no local, havia um painel com desenhos de filhos dos usuários com palavras de incentivo para deixarem o uso do álcool e outras drogas.

Todo tratamento no Caps é partilhado com a UBS (Unidade Básica de Saúde) de referência do paciente. “Cada pessoa que chega aqui é acolhida também em uma UBS. É um trabalho conjunto. A gente cuida e em algum momento ele vai voltar para a atenção primária. É importante ter um cuidado garantido no território”, diz Silva.

Segundo Claudia Longhi, diretora da divisão de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde, para aquelas pessoas que não têm mais vínculos familiares, o município oferece a opção de unidades de acolhimento. Funcionam como moradias temporárias de até seis meses para acompanhamento de pacientes dos Caps AD. Existem 16 delas na capital.

“A pessoa que quebra todas as relações e está em situação de rua, não consegue se cuidar. Precisa ter um lugar para que seja cuidado e possa reaver essas relações perdidas.”

A rede municipal também dispõe de 199 leitos psiquiátricos em hospitais gerais que atendem as emergências em saúde mental, entre elas casos decorrentes do alcoolismo.

“Se o sujeito entra com quadro de abstinência, ele tem um rebaixamento da função respiratória, vai precisar ser monitorado, muitas vezes, intubado dentro de uma UTI. É um quadro de muita mortalidade.”

Também é comum que os alcoolistas internem devido a outros doenças clínicas associadas à dependência. “São doenças hepáticas, do trato gastrointestinal ou algum problema oncológico. Sem contar as outras doenças psiquiátricas.”

Na saúde suplementar, a predominância é de programas que buscam a abstinência do uso de álcool, inspirados no método Minnessota, que é baseado na filosofia dos 12 Passos do AA (Alcoólicos Anônimos), segundo o médico psiquiatra Renato Lobo, vice-presidente da Aprisme (Associação Nacional dos Prestadores Privados da Saúde Mental).

Ele afirma que os estudos mostram que, em média, 25% das pessoas que querem se tratar da dependência alcoólica conseguem se manter abstêmios com essa estratégia.

“Se você pega um paciente com família, emprego e condição física preservados, a chance dela sair é de 60%. Mas se pega alguém que perdeu tudo as chances de sair do vício do álcool é de 5%, 10%.”

“A gente respeita a redução de danos, principalmente nos hospitais-dia e quando o sujeito não tem desejo de parar ou quando tem uma comorbidade psiquiátrica associada, o que faz com que seja mais difícil aderir à abstinência”, diz. Lobo diz que sete em cada dez dependentes químicos estão nessa situação.

“A prevalência do alcoolismo puro é mais baixa. Muitas vezes, trata-se de um alcoolismo secundário. A pessoa tem transtorno de humor ou transtorno de personalidade, o que o torna mais suscetível a passar do uso recreativo para o abuso e dependência.”

De acordo com ele, as dependências de múltiplas drogas, inclusive o álcool, são hoje a maioria das demandas. “A gente tem o dependente de álcool e cocaína, o dependente de álcool, cocaína e crack.”



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