O STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu na terça-feira (11) julgamento no qual decidiu estender o alcance do foro especial. O novo entendimento amplia a competência da corte, que se limitava a crimes cometidos durante o mandato e em razão dele.
Os ministros argumentam que a decisão fecha uma brecha que permitia aos acusados manejarem o órgão julgador de seus processos a partir da possibilidade de renúncia. Ao longo das décadas, o tema teve várias idas e vindas no Supremo, gerando um cenário de incerteza jurídica.
Com um placar de 7 a 4, o caso foi relatado pelo ministro Gilmar Mendes. Os ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux foram vencidos pela maioria.
Chamado com frequência de foro privilegiado, o foro por prerrogativa de função tem respaldo na Constituição e garante que algumas autoridades públicas sejam julgadas por órgãos superiores de Justiça, com o objetivo de evitar pressões que poderiam ocorrer em instâncias inferiores.
Por causa da premissa, parlamentares devem ser julgados pelo STF, prefeitos na segunda instância e governadores no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Maíra Salomi, advogada e vice-presidente da Comissão de Direito Penal do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), afirma que há duas regras de que norteiam a incidência do foro especial.
Em relação à natureza do crime, a regra da contemporaneidade diz respeito à conexão entre o delito praticado e as funções do cargo. A regra da atualidade, por sua vez, observa a simultaneidade entre a prática do crime e o exercício do mandato.
“A nossa Constituição fala quais são os detentores de foro por prerrogativa de função, mas ela não traz qual é a interpretação exata que se deve dar a esse dispositivo”, afirma Maíra sobre os motivos que explicam o vaivém da matéria no STF.
COMO ERA
A última decisão relevante sobre o tema tinha sido expedida em 2018, na esteira da Operação Lava Jato. Na época, era comum em debates nos meios políticos e jurídicos críticos do modelo apontarem que a prerrogativa travava investigações, contribuindo para a impunidade. A partir do julgamento de uma questão de ordem na ação penal 937, o Supremo restringiu a própria competência em casos com foro especial.
A regra passou a considerar que os acusados precisavam ocupar o cargo no momento em que o processo fosse instaurado. Além disso, o mandato exercido deveria ser aquele que guardasse relação com o crime praticado.
Por esse entendimento, se um deputado federal, por exemplo, sofresse uma investigação decorrente de uma suspeita relacionada ao período em que foi prefeito, o caso não deveria ser de atribuição do Supremo. Ainda, se o deputado federal é processado no STF, mas o mandato se encerra antes da conclusão do julgamento, o caso é enviado à primeira instância.
Maíra afirma que interpretações mais restritivas do foro especial podem diminuir a sobrecarga dos tribunais. Foi o que aconteceu no STF após a mudança de 2018. Dados de 2022 mostram que o número de ações penais e inquéritos na corte caiu 80% em relação ao período vigente antes da alteração da norma.
COMO FICOU
Novamente ampliada, a regra que passa a valer estende a competência do Supremo mesmo depois que os acusados deixam de ocupar os cargos que ensejaram no foro especial.
Desse modo, não é mais possível que o processo mude de órgão julgador por renúncia ou perda de mandato. Diante desse novo regramento, no caso de um deputado federal processado no STF, o processo continuará na corte mesmo que ele deixe a função.
Além disso, a instauração de inquéritos e ações penais pode ocorrer depois que o investigado ou acusado já deixou o cargo.
Um caso simbólico é o do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Em dezembro, Gilmar Mendes havia declarado a competência do Supremo para julgar o ex-parlamentar em processo sobre corrupção. O ministro afirmou haver relação direta dos fatos apurados com o exercício do mandato, justificando a prerrogativa de foro. Porém Cunha não é mais deputado desde 2016.
Maíra Salomi afirma que a decisão do STF deve repercutir em outros órgãos que também são competentes para julgar processos de foro especial. “Como a gente tem cargos com prerrogativa de função em outros tribunais […] vamos ter o reflexo desse entendimento em todos esses tribunais”, diz.
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