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Indígenas buscam retomar protagonismo no uso de ayahuasca – 15/03/2025 – Ilustríssima


[resumo] Quinta Conferência Indígena da Ayahuasca coroa levante contra protagonismo da pesquisa e de igrejas ayahuasqueiras na globalização da bebida que povos originários da amazônia utilizam para contato com antepassados e a natureza. Para eles, uso ritual da “medicina” foi desvirtuado pela comercialização sem regras e sem os cuidados necessários, criando malefícios como os do tabaco e da coca apropriados por não indígenas.

A flotilha yawanawa (pronuncia-se “iauanauá”) serpenteia pelo rio Gregório levando convidados da 5ª Conferência Indígena da Ayahuasca. Saídos de dois ônibus vindos de Cruzeiro do Sul, no Acre, após duas horas de viagem, todos embarcam nas lanchas de alumínio com motores rabeta, quatro ou cinco de cada vez, enquanto as malas seguem noutros barcos. Logística impecável.

Sete horas depois, a chegada destoa de incursões usuais em áreas indígenas da amazônia, com suas barrancas enlameadas. Para alívio dos visitantes, uma rampa de madeira sólida vence o aclive até a Aldeia Sagrada do povo da queixada (“yawa”), enquanto reboques puxados por quadriciclos levam as bagagens até o alto. A aldeia fica na Terra Indígena Rio Gregório, no município de Tarauacá (AC).

De 25 a 30 de janeiro, 207 integrantes de 34 etnias do Brasil e de outros sete países (Colômbia, Peru, México, Guatemala, Indonésia, Egito e EUA) participaram do evento em que 78 “nawa” (não indígenas; pronuncia-se nauá) não tinham direito a voto (nem voz, com raras exceções). Só os indígenas deliberaram criar um Conselho de Lideranças Espirituais, com a missão de retomar o controle do uso e da narrativa da ayahuasca.

Partiu ali dos povos da floresta um grito contra a arrogância com que seu conhecimento sobre a “medicina” (bebida sagrada) vem sendo atropelado pela ciência e por empresas, por igrejas e por governos.

A carta dirigida aos nawa, mas também a jovens indígenas em suas comunidades, encheu a boca de todos em favor do uso ético e responsável da ayahuasca, em oposição à globalização sem regras do chá, legalizado para uso religioso no Brasil todo e parcialmente nos EUA.

“Ninguém quer nos ouvir porque falamos a língua das plantas, dos pássaros”, disse na cerimônia de abertura Benki Piyãko, líder ashaninka.

Foi o primeiro de três rituais noturnos com ayahuasca, bebida chamada de uni pelos anfitriões yawanawa liderados por Nixiwaka e sua esposa Puttany (outros povos a nomearam como rami, kamarãpi, huni, dispãnī hew, tsĩbu, yageé, gaapi, kahpi, hayakwaska e nixi pae).

Mais de cem povos da amazônia usam a beberagem, segundo a artista plástica Daiara Tukano, presente na conferência. Estão em sete países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela. O chá desencadeia um estado de consciência caracterizado por transformações do sentido de tempo, memórias vívidas, lampejos e manifestações visuais conhecidas como “mirações”.

Ninguém sabe como surgiu a tecnologia que combina o poder imagético da dimetiltriptamina (DMT) das folhas do arbusto chacrona (Psychotria viridis) com as substâncias do cipó-mariri, também chamado de jagube ou yagé (Banisteriopsis caapi), que facilitam sua chegada ao cérebro. Certo é que a infusão dos dois vegetais nasceu no noroeste da floresta amazônica e que seus povos originários atribuem a descoberta a ensinamentos vindos das próprias plantas.

Não foram povos indígenas, entretanto, que tornaram a ayahuasca celebridade mundial. Primeiro ela deu origem, nos anos 1930, à religião sincrética Santo Daime, depois às igrejas União do Vegetal (UDV) e Barquinha, início de uma diáspora que a disseminaria por mais de 80 países.

Nas décadas de 1960 e 1970, a bebida caiu nas graças da ciência e da contracultura ocidentais, por meio de escritos do etnobotânico Richard Evans Schultes e dos poetas beat William S. Burroughs e Allen Ginsberg. Mochileiros do Brasil conheceram o Santo Daime na amazônia e abriram filiais da igreja em centros urbanos, inclusive no exterior.

A legalização definitiva do uso religioso no Brasil viria em 2010, com a resolução nº 1 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). Embora o diploma mencione a garantia constitucional para “manifestações de culturas populares indígenas e afro-brasileiras” e “populações tradicionais da amazônia”, fica evidente no texto que se regulamentava o uso do chá nas igrejas ayahuasqueiras, até porque foi por elas se mobilizarem que emergiu a resolução.

Comunidades indígenas também ficaram à margem do pedido articulado por essas congregações, em 2008, para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconhecer a ayahuasca como bem cultural de natureza imaterial.

Após protestos, o instituto viu como legítima a necessidade de ampliar o reconhecimento para incluir práticas indígenas, mas o alto custo de realizar os estudos relacionados paralisou o processo, sem conclusão até hoje.

Em que pesem tais arestas, organizadores da conferência convidaram Alfredo Gregório de Melo, o Padrinho Alfredo do Santo Daime, mas ele não pôde comparecer. Enviou representantes que, na plenária final, apresentaram carta em que o padrinho honra os povos originários como guardiões das plantas sagradas: “Cada um de nós tem uma parte desse mapa que nos leva ao caminho da união.”

Nos anos 2010, com o chamado renascimento psicodélico na medicina, a ayahuasca atraiu a atenção de neurocientistas da Espanha e do Brasil. A USP de Ribeirão Preto formou um grupo de estudos pioneiro e deu origem a outro, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que publicou em 2018 estudo de alto impacto sobre benefícios da ayahuasca contra depressão resistente.

Surgiu em Barcelona o Centro Internacional de Educação, Pesquisa e Serviço Etnobotânico, conhecido pela sigla em inglês Iceers, que organizou em Ibiza, no ano de 2014, a primeira Conferência Mundial da Ayahuasca. Para sede da segunda reunião foi escolhida a capital do Acre, Rio Branco, mas o evento ficou marcado por um estremecimento de povos indígenas com a pesquisa acadêmica.

Insatisfeitos com o protagonismo de pesquisadores na discussão de 2015 em Rio Branco, sem “espaço reconhecido e valorizado para as vozes dos líderes espirituais indígenas”, alguns deles começaram a articular ali uma conferência exclusiva. A primeira se realizaria em dezembro de 2017 na Terra Indígena Puyanawa, município de Mâncio Lima (AC).

A carta aprovada na 1ª Conferência Indígena da Ayahuasca estava já centrada no tema da apropriação, fora dos territórios acreanos, do conhecimento tradicional sobre a poção. O documento conclamava povos usuários a “refletir sobre até que ponto é benéfico ou ameaçador transmitir estes conhecimentos para não indígenas e qual será a forma de diálogo e compartilhamento externo”.

Quatro conferências e sete anos depois, a discussão entre povos ayahuasqueiros se aprofundou e amadureceu, desembocando em janeiro na criação do Conselho de Lideranças Espirituais, que deverá ter a primeira reunião formal em 2027 na Colômbia, a cargo da União de Médicos Indígenas Yageceiros da Amazônia Colombiana (Umiyac). Até lá ocorrerão consultas entre os povos, sob coordenação do Instituto Yorenka Tasorentsi de Benki.

A quinta e última carta indígena sobre ayahuasca é peremptória: “Repudiamos todas as formas de comercialização da ayahuasca que formaram um mercado global fora dos limites éticos”, afirma o manifesto. “Demandamos a fiscalização, a proibição e responsabilização nos casos de tentativas de criação de patentes sem a devida consulta e anuência, assim como a produção, venda e uso indevido das medicinas tradicionais de conhecimento ancestral dos povos indígenas.”

A irritação patente na reunião da Aldeia Sagrada Yawanawa deriva do corpo mole de governos na efetivação de direitos indígenas já reconhecidos, mas só formalmente. O consentimento livre, prévio e informado, assim como a repartição de benefícios com uso de recursos genéticos e conhecimento tradicional associado, está consagrado em tratados internacionais e leis nacionais, mas sem resultado prático.

Não faltam diplomas, como convenções da ONU e da OIT, declarações da Unesco, Protocolo de Nagoya etc., a consagrar a propriedade coletiva de conhecimento tradicional. Mas permanece a queixa sobre ausência de consulta, concordância e reparação para múltiplas formas de apropriação indevida.

Pesquisa apresentada na conferência indicou a existência de 543 pedidos de patente no mundo relacionados com ayahuasca até maio de 2024. Havaí e Costa Rica ostentam plantações de chacrona e mariri, a milhares de quilômetros do centro de origem dos vegetais na amazônia.

No Brasil se criou há dez anos um Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, inicialmente gerido pelo BNDES, mas não se conhecem projetos indígenas que tenham recebido recursos dessa fonte.

Levantamento de junho de 2023 do Iceers também debatido no plenário indicou que 4,2 milhões de pessoas no mundo (1,3 milhão nos EUA, 567 mil no Brasil) já tomaram ayahuasca, 473 mil só no ano de 2019 (200 mil norte-americanos, 181 mil brasileiros). Naquele ano 4,4 milhões de doses foram servidas, mas em maior quantidade no Brasil, dada a frequência bimensal do consumo em igrejas ayahuasqueiras: 2,6 milhões de porções aqui, 1,3 milhão nos EUA.

Proliferam centros de retiro que usam ayahuasca com alegados fins terapêuticos. O epicentro do turismo ayahuasqueiro está no Peru, com 173 estabelecimentos, seguido por Costa Rica (20), Colômbia (14) e Equador (13); no Brasil eram 7. De lá para cá, vários outros centros terão surgido, na esteira da notoriedade crescente de aplicações clínicas experimentais de psicodélicos.

O uso indiscriminado da ayahuasca, alertam líderes indígenas, fora dos métodos e cuidados praticados por pajés, implica perigos que ameaçam a imagem da bebida. Além de purgas (vômitos e diarreias) violentas, ocorrem surtos psicóticos em pessoas com tendência prévia e raras mortes por suicídio, homicídio ou afogamento.

O Iceers encontrou 58 registros de casos fatais entre 1994 e 2022, a maioria por possíveis efeitos adversos (16) e suicídios (14). Um número baixo, se considerado o intervalo de três décadas, em especial na comparação com óbitos associados ao álcool (2,6 milhões a cada ano, segundo a OMS) e tabaco (8 milhões por ano).

A ênfase dos discursos na conferência, entretanto, não recaiu sobre riscos, mas antes sobre os benefícios da ayahuasca para as pessoas. A ideia não é impedir a disseminação da bebida, mas disciplinar seu uso com base na sabedoria indígena sobre seus poderes e com respeito pelo conhecimento tradicional associado.

“É por isso que estou levando para o mundo essa ciência”, disse Benki. “Se produzida da maneira errada, sem respeitar a origem [da ayahuasca], vai virar veneno e se voltar contra nós”, alertou, aludindo ao tabaco e à coca, plantas empregadas para cura por indígenas que se tornaram flagelos após apropriação por brancos.

“Benki e eu fomos pioneiros em levar [esse conhecimento indígena] para o mundo, compartilhar com o Ocidente”, disse o anfitrião Nixiwaka (nome também do instituto que representa as aldeias yawanawa Sagrada e Nova Esperança). “Lá [na sociedade não indígena] tem famílias, amor, gente que luta. Merecem compartilhar de nossas medicinas.”

Os povos indígenas da ayahuasca não encaram o chá como diversão. Usam para entrar em contato com ancestrais e com a paz da natureza. Houve três cerimônias noturnas com a bebida abertas a todos na conferência, em meio a cantos coletivos entoados na escuridão da oca, com efeito transportador ao menos sobre os convidados.

Durante os debates também sempre havia a bebida disponível, acompanhada da recomendação de tomar doses pequenas, só para “pensar claro”, e não “copões”. Poucos visitantes, além de indígenas, foram até a mesa lateral consagrar, em período diurno, o chá mantido em dois grandes jarros de vidro com torneirinhas.

Em dezembro de 2022, veio a público no Canadá que a fabricante de fitoterápicos Filament Health estava desenvolvendo uma pílula de ayahuasca. O conceito era combinar extratos vegetais da chacrona e do cipó amazônicos.

Não era bem o que se chama de “farmahuasca”, mistura de DMT com betacarbolinas como princípios ativos purificados, mas uma tentativa de emular a própria bebida, com todos os outros compostos alcaloides presentes nas plantas, tirando proveito do que se chama de “efeito comitiva”. O caso foi um dos mais debatidos na conferência.

Na época a empresa afirmou ter consentimento de parceiros indígenas no Peru, sem dizer quais. Planejava testes clínicos para obter autorização da agência de fármacos FDA nos EUA, mas disse que estava ainda em estágio inicial de desenvolvimento e que, caso chegasse a um produto, respeitaria a exigência de repartição de benefícios pelo Protocolo de Nagoya da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica.

Além do episódio canadense, foram abordadas no plenário pesquisas para sequenciamento genômico das plantas da ayahuasca. Vocalizaram-se dúvidas sobre autorização indígena para os estudos, em meio a opiniões sobre aplicação dessa informação genética com pouco lastro na realidade científica —a partir dela seria possível fazer cópias da ayahuasca, de suas “células”, ouviu-se.

Transpareceu de certas falas uma inclinação a pôr sob crivo indígena qualquer pesquisa ou desenvolvimento com a dimetiltriptamina, princípio ativo desencadeador das mirações da ayahuasca. No entanto, a DMT está presente também em vários vegetais, como a jurema-preta (Mimosa tenuiflora) usada por povos originários da caatinga.

O composto ocorre ainda em árvores do gênero Acacia, com quase mil espécies presentes na Austrália e centenas na África. Além disso, é produzido no próprio cérebro humano. Antes mesmo de essa produção endógena ser conhecida, a substância já havia sido sintetizada pelo químico canadense Richard Manske em 1931. Não será trivial, diante disso tudo, advogar pela primazia indígena sobre a DMT isolada.

Ficou evidente, na conferência, que o estranhamento entre indígenas e pesquisadores tem dificultado o diálogo, a troca de informações comprováveis e a solução de conflitos pendentes, alguns fundados em mal-entendidos. Não havia membros da comunidade biomédica com voz na Aldeia Sagrada para defender seus pontos de vista durante a conferência.

Inverteram-se os papéis, por assim dizer. Há cinco séculos indígenas das Américas veem sua cultura material e imaterial —e até seus corpos, na escravidão e no genocídio— explorada sem consentimento. Dessa dominação colonial contra povos originários fizeram parte também as ciências, tanto humanas quanto biológicas, cujas instituições ainda não se organizaram para unificar uma resposta à demanda.

Outra revolta central dos povos ayahuasqueiros na conferência se dirigiu contra a repressão policial ao transporte do chá, para eles uma afronta à liberdade religiosa e à prática de seus costumes garantida no artigo 231 da Constituição e em tratados internacionais. Não faltaram relatos, inclusive dos líderes Nixiwaka e Benki, sobre ameaças de prisão, apreensões e humilhações sofridas ao cruzarem fronteiras.

Um dos objetivos registrados na carta da conferência é alertar jovens que viajam para proporcionar “vivências” sobre os riscos a que estão sujeitos. Na prática, autoridades policiais e alfandegárias ignoram as provisões legais, em normas domésticas e internacionais, que autorizam indígenas a circular com suas medicinas e apetrechos. Reivindica-se algum tipo de documento que legalize esse trânsito para quem seguir as diretrizes do Conselho de Lideranças Espirituais.

Um caso limítrofe discutido na conferência foi o de Ako Kamanawa, jovem brasileiro da etnia Noke Koi retido no México por mais de dois anos e meio para ser julgado, após bagagens de seu grupo serem apreendidas com 141 quilos de gel de ayahuasca. Convidado para conduzir cerimônias em solo mexicano, ele não tinha conhecimento de que tamanho volume da bebida concentrada havia sido adquirido no Peru, não em sua aldeia no Brasil.

Ako contou com assistência jurídica do Iceers, que mantém o Fundo de Defesa da Ayahuasca. Ele foi posto em liberdade provisória e mora há 20 meses na casa de Armando Loizaga, presidente do Instituto Nierika, que se responsabilizou por ele e narrou o caso na conferência do Acre.

“Eu promovendo a paz, a cura mundial, sou considerado traficante. É uma falta de vergonha, de entendimento”, lamentou Nixiwaka após o relato. Mas convocou todos os “parentes” (outros povos indígenas), após cinco conferências, a constituir o conselho e “chorar quando for necessário, mas se levantar quando for preciso”.

Uma oca circular embasbaca os visitantes recém-desembarcados com seus 41 m de diâmetro, 7 m de altura no centro, 18 vigas de madeira com 20 m apoiadas num anel central de aço e cinco degraus de arquibancada no perímetro. Projeto do arquiteto paulistano Marcelo Rosenbaum, o “suwu” foi construído em nove meses, só por indígenas, para abrigar as plenárias da quinta conferência.

Toda a madeira foi obtida, serrada e aparelhada em território indígena. Vieram de barco 750 toneladas de cimento e ferro, 500 kg por vez, consumindo 60 mil litros de gasolina. Custo total, incluindo a hospedaria e o refeitório em formato da letra Y inicial de Yawanawa: US$ 2 milhões (mais de R$ 11 milhões).

A maior parte do dinheiro veio de parceria sui generis com o artista informático turco-americano Refik Anadol, que já expôs trabalhos no MoMA e em Davos. Suas obras gráficas são geradas por inteligência artificial treinada com doses maciças de dados, que ele chama de “alucinações” e que podem ser “assinadas” como objetos únicos por meio da tecnologia NFT (sigla de “non fungible token”).

O acervo de informações utilizado no projeto Winds of Yawanawa incluía desenhos feitos por Nawashahu e Mukashahu, filhas de Nixiwaka e de Puttany, e dados ambientais coletados na Aldeia Sagrada, como sons do vento. Com base nisso ele criou mil peças de arte digital NFT vendidas no lançamento na ilha grega de Mikonos em julho de 2023 (veja aqui vídeo com amostra da cooperação de Anadol com os yawanawa).

A apresentação a indígenas na conferência da incursão de Anadol nos mistérios da floresta ocorreu na noite de 27 de janeiro. Luzes se apagaram e se ergueu uma tela vertical, no formato de um celular, para a projeção por computador de três séries de imagens: uma com desenhos originais das filhas de Nixiwaka, outra com grafismos criados a partir deles pela máquina e, ao final, animações de formas orgânicas entre pontilhistas e eruptivas, cuja relação com a cultura yawanawa mostra-se difícil de acompanhar.

“Tudo com nossa arte, nosso conhecimento, e não com dinheiro de governo ou de empresas”, exultou o anfitrião Nixiwaka, comemorando o casamento milionário de manifestações ancestrais com a mais recente tecnologia. “É possível desenvolver nossas comunidades e territórios sem precisar se vender.”

A parceria com os nawa não se limitou a NFTs e projetos de arquitetura. Os organizadores também buscaram consultoria jurídica para instruir sua retomada da ayahuasca em todas as frentes, assim como anunciaram na carta do evento a criação de uma página na internet para gerar constrangimento e risco reputacional a empresas e estudiosos que usarem seu conhecimento sem consulta.

Até mesmo a reabertura de um diálogo com a pesquisa acadêmica parece agora mais possível, como se depreende de uma carta do Iceers lida ao final da conferência: “Quero estender minha profunda gratidão pela confiança que temos construído ao longo dos últimos três anos, pela orientação e aprendizado e pela busca de um futuro juntos, em aliança pelo conhecimento concentrado em seus territórios”, escreveu Benjamin De Loenen , diretor executivo, que não compareceu por estar de luto pela morte do amigo Ricard Faura.

“Minha intenção ao [aceitar convite para] participar da mesa sobre transporte de ayahuasca foi começar expressando publicamente minhas sinceras desculpas pelos erros que o Iceers, sob minha liderança, cometeu na organização da Conferência Mundial de Ayahuasca em Rio Branco em 2016.”

De Loenen disse ainda que está em curso um processo de consulta com líderes dos territórios no Acre para construir relações de confiança na organização de um Encontro Mundial da Ayahuasca na cidade de Girona, Espanha, em 2026. E pôs o Iceers a serviço da liderança indígena para abrir um “diálogo em aliança global”.

Ao final da segunda cerimônia noturna com ayahuasca, comandada pelos ashaninka e seu canto de pássaros, Benki convidou todos a cantarem juntos. O propósito era trazer a energia do universo à casa, explicou. Cada povo presente entoou seus próprios cânticos.

Por meia hora ou mais ouviu-se uma cantoria polifônica, que fez caírem lágrimas sem contraponto diante da expressão concreta da diversidade visionária que se unifica na ação coletiva, sem perder a identidade, mas criando uma coisa nova e ancestral: o frescor verdejante da natureza brotando em forma de música humana.





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