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Morre Cláudio Lembo, 90, governador de SP em 2006 – 19/03/2025 – Poder

Em março de 2006, Geraldo Alckmin, então governador de São Paulo, deixou o Palácio dos Bandeirantes para se candidatar à Presidência da República e passou o principal cargo do estado para as mãos do vice, Cláudio Salvador Lembo, àquela altura presidente estadual do PFL.

Os líderes do PSDB, partido de Alckmin na época —hoje ele está no PSB e é vice-presidente da República, no governo Lula (PT)—, acreditavam que o advogado e professor paulistano Lembo teria uma atuação política discreta, um comportamento que o caracterizava até então. Além disso, os tucanos esperavam uma gestão sem sobressaltos. Erraram numa coisa e na outra.

Lembo, que morreu aos 90 anos, foi governador por apenas nove meses, de abril de 2006 a 1º de janeiro de 2007, mas enfrentou um período turbulento da história paulista recente.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) decretou nesta quarta-feira (19) luto oficial de três dias. A causa da morte não foi divulgada.

“Os americanos conhecem o 11 de setembro [ataque ao World Trade Center, em 2001], os espanhóis conhecem o 11 de março [ataque terrorista a trens, com 191 mortos, em 2004]. E nós conhecemos o 12 de maio [de 2006, dia inicial dos ataques do PCC, Primeiro Comando da Capital]”, afirmou Lembo no fim daquele ano.

Em 12 de maio de 2006, o PCC deu início ao caos. Nos cinco dias seguintes, em represália à transferência de 765 presos, incluindo a cúpula da facção, os criminosos promoveram mais de 300 atentados contra instituições do estado, como delegacias e postos de polícia. Mais de 50 agentes de segurança foram mortos.

As reações —dentro da lei e, principalmente, à margem dela— não demoraram. Uma tropa de encapuzados saiu às ruas para vingar o assassinato de policiais, deixando um saldo de 505 civis vítimas em dez dias.

Em entrevista à Folha, publicada seis dias depois do início dos atentados, Lembo associou a “minoria branca” de São Paulo à onda de violência no Estado. “Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa”, afirmou.

Na mesma ocasião, negou que os policiais militares estivessem partindo para vingança. “Todas as noites há confrontos nas ruas da cidade e esses conflitos foram exasperados nesses dias. Mas vingança, não. A polícia agiu para evitar o pior para a sociedade.”

Surgiram naquele momento críticas de que os ataques do PCC só tinham cessado porque o poder público havia negociado com a facção. Anos mais tarde, Lembo negou que o estado tivesse feito acordo com o crime organizado, mas admitiu que o encontro de uma advogada com Marcola, líder do PCC, havia contribuído para o fim das ações dos criminosos.

Havia ali, evidentemente, um problema de extensas raízes —seria injusto, portanto, atribuí-lo apenas a Lembo, que tinha assumido o governo estadual poucas semanas antes da série de ataques. De qualquer modo, o saldo foi negativo para ele, que se viu obrigado a responder sobre a crise da segurança ao longo da sua curta passagem pelo Bandeirantes.

Lembo não foi o líder à altura daqueles acontecimentos trágicos. Ao final do seu mandato, ele mesmo admitiu que não tinha conseguido fazer o que esperava para combater a violência.

Mas seus tempos de governador, quando tinha 71 anos, serviram para dar visibilidade a dois traços da sua personalidade política: o conservador com disposição para ouvir todos os segmentos ideológicos, inclusive a esquerda, e o frasista raro, de sinceridade incomum.

Lembo se considerava um liberal (admirava Karl Popper) e também um conservador, mas discordou publicamente de uma corrente e de outra ao longo de sua vida pública. Não fugia das dissonâncias. Na mesma entrevista no final de 2006, elogiou Lula, que concluía seu primeiro mandato no Palácio do Planalto, e afirmou: “Fui sempre um conservador. Mas não burro. Vejo o que está aí. Vivemos uma situação social próxima de um vulcão”.

Manter uma posição política clara (sempre foi filiado a partidos de direita ou centro-direita) nunca significou se afastar daqueles que pensavam de outra forma. Conversava com líderes da esquerda brasileira, como Leonel Brizola.

E havia ainda o político de frases afiadas. “Como estou velho, falo o que penso. O que posso fazer é ser nítido e claro.”

Os tucanos esperavam de Lembo um comportamento apaziguador como governador, mas receberam petardos verbais.

Em entrevista publicada pela Folha no último dia de seu mandato, ao ser questionado se havia se preparado para uma crise de grandes dimensões, como aquela do PCC, Lembo respondeu: “Quando cheguei ao governo, a ideia que dava é que SP estava numa situação excepcionalmente boa, financeiramente, socialmente. Cheguei a dar uma entrevista dizendo que estava recebendo uma Maserati, e que eu era um franciscano descalço que não saberia como usar esse veículo tão poderoso. E aí eu constatei que não tinha uma Maserati nas mãos, mas sim um Fusca 68, com o motor meio fundido”.

Nascido no bairro da Liberdade, na região central de São Paulo, Lembo se formou em direito na Faculdade do Largo de São Francisco no final da década de 1950 e logo começou a trabalhar no Itaú, sob o comando de Olavo Setubal.

Ao ser indicado prefeito de São Paulo pelo governador do estado Paulo Egydio Martins (prefeito biônico, como se dizia) em 1975, Setubal convidou Lembo para assumir a pasta de Negócios Extraordinários. Ele conciliou o cargo municipal com a presidência da Arena, o partido da situação, no estado.

Três anos depois, foi derrotado por Franco Montoro (MDB) na disputa ao Senado, mas obteve 1,3 milhão de votos, um número bem expressivo para a época.



Acho que [meu desempenho] foi o possível, bom, eu não sei. No fim, a sociedade compreendeu que eu peguei uma coisa horrível, que foi o problema da segurança pública

Em 1979, houve uma situação curiosa, que revela um pouco quem foi Lembo e o que foi a Arena. O advogado foi formalmente advertido pelo partido por ter conversado com Brizola semanas antes. “Sinto, na verdade, a presença de autoritarismo, mesclado por um provincianismo ridículo”, afirmou então ao Jornal do Brasil.

Em três outros momentos ao longo das quatro décadas seguintes, ele ocupou cargos relevantes na prefeitura de São Paulo, demonstrando uma influência longeva na seara mais conservadora da política paulistana. Foi secretário de Negócios Jurídicos de 1986 a 1989, na gestão de Janio Quadros, do Planejamento em 1993, sob a administração de Paulo Maluf, e novamente de Negócios Jurídicos, de 2008 a 2012, quando Gilberto Kassab era prefeito.

Também atuou no governo federal, sempre ao lado de Marco Maciel. Foi chefe de gabinete do Ministério da Educação quando o político pernambucano estava à frente da pasta no governo Sarney. Voltou a assessorar Maciel quando o amigo foi vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso.

Como candidato a vice, Lembo perdeu uma eleição e ganhou outra. Integrante da chapa de Aureliano Chaves, foi derrotado na disputa presidencial de 1989. Venceu 13 anos depois, ao lado de Alckmin, na corrida pelo governo paulista.

Em meados da década de 2010, chegando à casa dos 80 anos, voltou a trabalhar como advogado e reduziu suas atividades políticas, mas não perdeu a capacidade de surpreender em declarações públicas.

Em entrevista ao site Consultor Jurídico, em 2020, quando estava filiado ao PSD, de Kassab, Lembo criticou o impeachment de Dilma Rousseff. “Foi um erro, ela não cometeu crime nenhum, foi um julgamento político e no Brasil não há na Constituição julgamentos políticos.”

Lembo deixa a esposa, Renéa, com quem foi casado por mais de 60 anos.

Presidente do PSD e secretário no governo Tarcísio, Gilberto Kassab disse que “se tem alguém que cumpriu sua missão, esse alguém foi Cláudio Lembo”. “Cidadão exemplar, com excelente formação e um homem público que não deixa uma única observação negativa.”

FRASES

“Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa”

Cláudio Lembo

em entrevista à Folha durante a crise do PCC, em maio de 2006

“Eu acho que o presidente Fernando Henrique poderia ter ficado silencioso. Ele deveria me conhecer e conhecer o Governo de SP”

Cláudio Lembo

em entrevista à Folha durante a crise do PCC, em maio de 2006; FHC havia criticado a possibilidade de o governo ter feito acordo com os criminosos para cessar a violência

“Esse é um grande defeito da nossa universidade. Ela fica estudando coisas absolutamente platônicas, românticas, estuda Antônio Conselheiro e não estuda a realidade social das grandes cidades brasileiras. Por que nenhum sociólogo foi entrevistar os presos para entender a origem e a motivação para o crime? A universidade virou novamente uma estrutura elitista isolada da sociedade”

Cláudio Lembo

em entrevista à Folha publicada no final do seu mandato como governador

“Fui sempre um conservador. Mas não burro. Vejo o que está aí. Vivemos uma situação social próxima de um vulcão.”

Cláudio Lembo

em entrevista à Folha publicada no final do seu mandato como governador

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