Em dois dias de trabalho e com câmeras abertas para o país, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia do procurador-geral da Justiça, Paulo Gonet, que torna o ex-presidente Jair Bolsonaro réu em ação penal, ao lado de sete figurões aliados do seu governo. Começa a fase de instrução do processo.
O Ministério Público, titular da ação, consolidará a própria denúncia. Os réus exercitarão seu direito de defesa, guiados por advogados experientes. E a Primeira Turma, protegida pelo regimento da Casa, deverá por fim anunciar as sentenças.
A Justiça tem ritos, tempos e caprichos. O que se viu nestes dois dias foi o teatro protagonizado por esta senhora —Maat, na tradição egípcia, Têmis, na tradição grega, Justitia, na tradição romana— às voltas com seus personagens, no caso, procurador-geral, juízes e defensores, reunidos para votar a Petição 12 100. Ainda que complexa e sem prazo para terminar, a próxima etapa já traz consigo um ganho: denúncia aceita, chega-se a um grupo graúdo de réus. Poderão ser confirmados ou não.
Bolsonaro encabeça a lista, certamente não por mérito próprio, mas porque agiu à frente de uma “organização criminosa com ordem hierárquica”, segundo a denúncia. Na terça-feira (25), fatos e imagens contidos no voto do ministro-relator, Alexandre de Moraes, descreveram a ousadia deste grupo, em reuniões, atas, farta mensageria, minutas de golpe.
Tudo somado, como disse um dos militares envolvidos na trama, uma “doideira” a ser evitada. Ainda que as defesas se esmerem para provar que seus clientes não estavam implicados no que o Brasil presenciou, a verdade é que o país precisa que tudo seja esclarecido. É pedagógico para a sociedade. É regenerador para a democracia.
Segue o rito, mas vale lembrar que há outras frentes de investigação envolvendo o ex-presidente e aliados. Moraes, na sessão dos últimos dias, não perdeu a chance de falar em fake news, no “gabinete do ódio” encastelado no governo anterior e nas milícias digitais, alvos de inquéritos da PF. Há um universo a ser desvendado, inclusive para delimitar o que seja liberdade de expressão e licença para enganar, manipular, insuflar.
Da mesma forma, responsabilidades são cobradas do ex-presidente e de membros do seu governo no enfrentamento da Covid-19 no Brasil. Há um relatório robusto feito pela CPI da Pandemia, entregue para a PGR (na época, sob Augusto Aras), STF e TCU.
São 80 pedidos de indiciamento, começando por Bolsonaro. Como deixar para as calendas o que foi levantado? Como ignorar a crise oxigênio em Manaus? Ou o corte de água para comunidades indígenas? Ou a falsificação de carteiras de vacinação por autoridades? Como aceitar que parte da perda de 700 mil vidas poderia ter sido evitada?
E, como não?, há que se esgotar o caso das joias árabes, presentes de Estado levados ao balcão das pechinchas de ocasião, para fazer uma graninha.
Talvez Bolsonaro, presente no primeiro dia da sessão, tenha se perguntado intimamente se fez bom negócio atacando o STF, desde antes do início do seu governo. É de abril de 2018 o rompante do filho 03, deputado licenciado e autoexilado nos EUA, de que para fechar o Supremo bastariam um cabo e um soldado. O mesmo Supremo hoje julga um ex-presidente, seu pai, e generais estrelados. Erro de cálculo. A vida não é tão banal.
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