A história não chegou ao fim, pelo contrário, vai acontecendo em curso de aceleração, momento de grande relevância que nos captura em vertigens, angústias e incertezas. Tanto no caso particular do Brasil quanto no cenário internacional.
As conexões entre os dois planos são muitas, mas sobressai o contexto de crise da democracia liberal com os rearranjos provocados pela emergência do nacional-populismo autoritário de direita, pano de fundo contra o qual as ações acontecem em interação com uma miríade de fatores e complexidades.
Nada será como antes amanhã ou depois de amanhã nesse mundo sacudido pela força elétrica anárquica de Donald Trump, pela reconfiguração do Oriente Médio sob a sanha devastadora de Benjamin Netanyahu, pela incontível ascensão da China, pela fragilização da Europa e pela inamovível rocha da Grande Rússia. As desigualdades se acirram, as respostas a demandas de massas periféricas são precárias e as contradições alimentam aventuras, conflitos sociais, impasses políticos e ameaças militares.
Sim, são situações não tão novas sob a face da Terra, porém estamos vendo que o torvelinho do pós-pós-Guerra se insinua e provoca mudanças há pouco inconcebíveis. Os novos choques de forças vão ao mesmo tempo deformando o tecido institucional do antigo consenso ocidental e das grandes intermediações globais.
O que será que será?
No Brasil, para falarmos de nossa aldeia, vai se configurando uma perspectiva que em sua dramaticidade e em suas dificuldades pode até inspirar otimismo. Por circunstâncias que se precipitaram, a democracia brasileira resistiu e reagiu a um período sombrio de ameaças e mostra-se agora inclinada a um acerto de contas que poderá representar a inauguração de uma nova quadra no processo de superação da ditadura, já a completar suas quatro décadas.
A aceitação da denúncia contra Jair Bolsonaro terá o efeito de acirrar ânimos e gerar turbulências num período de tempo que poderá se alongar e nos trazer lances surpreendentes —o que não seria nada estranho à dinâmica brasileira.
Os questionamentos ao Supremo Tribunal Federal são conhecidos e podem recrudescer. Caberá ao tribunal ajudar a si mesmo e ao país na condução equilibrada do julgamento, com as amplas garantias que a Constituição assegura e sobretudo com a capacidade de transmitir à sociedade a percepção segura de uma atitude de isenção —que tem sofrido arranhões.
Uma conduta embasada, firme e serena será importante para contrastar a narrativa —sim, a narrativa— de perseguição política e farsa judicial para julgar os envolvidos numa trama golpista que deixou pelo caminho fortíssimas evidências.
O fato de um ex-presidente e de militares de alta patente estarem sentados no banco dos réus por conspiração contra o Estado de Direito não é em nenhum lugar coisa trivial, muito menos num país propenso a soluções acomodatícias entre elites. O fato de que se atue abertamente, no campo bolsonarista, para que os EUA de Trump interfiram no rumo dos acontecimentos ressalta esse entrelaçamento perturbador de situações nacionais e internacionais.
Estamos diante de um quadro desafiador com promessas de consequências cruciais e duradouras. Dizer isso, eu sei, é chover no molhado, mas é o que temos.
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