Depois de Copacabana, a Paulista. O segundo fracasso sucessivo de Bolsonaro evidenciou que o extremismo perdeu a capacidade de mobilizar sua base. Na avenida, diante de quase 50 mil brasileiros, o réu pronunciou sons indecifráveis numa língua que imagina ser o inglês. Lula é um cara sortudo: desde a campanha eleitoral, ele tem Bolsonaro –e, agora, às vésperas de 2026, o tem ajoelhado diante de Trump.
A pesquisa Quaest apontou reprovação de 56% ao governo Lula, o patamar mais baixo de seu mandato. Mesmo entre mulheres e pardos, a reprovação supera a aprovação. A avaliação negativa iguala a positiva até no Nordeste e entre os mais pobres. O governo afunda sob o peso da inflação de alimentos e da criminalidade generalizada.
Contudo, no outro lado de um cenário político estreitado, tudo está preso à força gravitacional de Bolsonaro: na Paulista, Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho Júnior associaram-se ao líder golpista que clama pela ajuda da mão amiga de Trump. A oposição perdeu-se no labirinto do idioma, e seu menor problema é a pronúncia.
No auge da impopularidade de seu governo, Lula obteria a reeleição se o pleito fosse hoje, como mostrou o Datafolha. No turno inicial, teria 36% contra 30% de um Bolsonaro magicamente elegível e 35% contra 15% de Tarcísio. Num turno final, bateria tanto Tarcísio (48% a 39%) quanto Michelle (50% a 38%). Hipoteticamente, o próprio Haddad venceria Tarcísio (43% a 37%).
Na Paulista, Bolsonaro praticou o esporte da simulação, fingindo combater pelo “pipoqueiro” e pelo “sorveteiro” do 8 de janeiro para manipular as sentenças exageradas do STF em prol da anistia a si mesmo e aos conspiradores de fino trato. Fora os fanáticos, não iludiu ninguém. Seu idioma tenta desviar as atenções de um país preocupado com o preço do ovo e a violência nas ruas para os interesses particulares da camarilha golpista.
“Nunca interrompa seu inimigo quando ele está cometendo um erro” –Lula seguiu o conselho atribuído a Napoleão e, evitando a polêmica vazia proposta por Bolsonaro, concentrou-se na isenção do Imposto de Renda. O governo segue confuso, mas ao menos emprega a língua nacional.
Trump é o trunfo extra de Lula. O som e a fúria emanados da Casa Branca revitalizam os partidos democráticos de centro-esquerda e centro-direita no Canadá, no Reino Unido e na União Europeia. A bomba nuclear tarifária detonada sobre o planeta simplifica as narrativas políticas: resistir a Trump é a mais efetiva estratégia eleitoral. Por aqui, sem mover um dedo, Lula libertou-se das sombras agourentas de Putin e Maduro, e, de quebra, beneficia-se da adesão de Bolsonaro a um governo estrangeiro que ameaça diretamente os interesses nacionais.
As tarifas, declarou Bolsonaro, protegem os EUA contra o “vírus socialista”. O réu que se exibia como nacionalista opera como arauto de uma potência externa hostil, enquanto seu filho auto-exilado move-se no circuito da extrema direita trumpiana. É como se, entre as bandeiras dos EUA, de Israel e do Brasil desfraldadas nas manifestações bolsonaristas, eles descartassem a última.
Na guerra, o que vale são os obuses; na política, são as palavras. O idioma escolhido por Bolsonaro –e, inercialmente, pelos governadores que o cortejam– impulsiona a pré-campanha de Lula.
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