A cortina brilha sob as luzes do teto, e uma delicada divisória cor creme protege a privacidade dos clientes que entram. Em um painel de vidro junto à porta, letras brancas e ousadas oferecem uma garantia discreta: Shahbaz, Astrólogo & Leitor de Mãos. Shahbaz Anjum trabalha na Loja 2-A dentro do Hotel Pearl Continental em Lahore, no Paquistão, há 24 anos. Ele não faz propaganda. Ainda assim, ricos e pobres, crentes e céticos, vão até ele em busca de sorte, direção, um vislumbre além do véu.
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— Eu ajudo as pessoas — disse Anjum: — Só isso. Não afirmo curar ninguém e, com certeza, não faço magia negra.
Ele sentiu a necessidade de fazer essa distinção enquanto o governo paquistanês avança para reprimir práticas ocultas que legisladores consideram uma ameaça ao tecido social do país.
Um projeto de lei aprovado pelo Senado em março prevê penas de prisão de até sete anos e multas de milhares de dólares para pessoas que ofereçam um conjunto de serviços sobrenaturais vagamente definidos.
Praticantes espirituais temem que uma variedade de práticas esotéricas sejam alvo nessa sociedade profundamente religiosa e culturalmente conservadora. Eles apontam a dificuldade e o risco inerentes de se policiar crenças, e afirmam que a legislação corre o risco de confundir espiritualidade e superstição com charlatanismo e criminalidade.
Apoiadores dizem que a legislação é necessária para combater fraudes. O projeto de lei fala em termos moralistas sobre proteger famílias de “feitiçaria” e “práticas ignorantes” realizadas em nome da cura espiritual.
O projeto, que agora segue para a câmara baixa do parlamento, exigiria que praticantes espirituais se registrassem no Ministério dos Assuntos Religiosos, que decidiria quais atividades seriam proibidas.
Aiysha Mirza, uma curandeira espiritual de Lahore que mistura cartas de tarô, mapas astrais e hipnoterapia em sua prática, disse que o ministério “não consegue entender” o que ela faz.
— O governo precisa ampliar sua perspectiva — disse ela: — O que realmente precisamos é de uma nova Autoridade de Religião e Metafísica.
Mirza teme que a legislação pese mais sobre aqueles que são visíveis e buscam agir dentro da lei — e não sobre os que operam em segredo ou causam danos mentais, físicos ou financeiros inegáveis.
— Feitiçaria de verdade é algo completamente diferente. Essas pessoas nunca mostram o rosto — diz ela.
O Paquistão não é estranho a contradições espirituais. Um Estado com armas nucleares e população altamente conectada, também é um lugar onde líderes políticos consultam “homens santos” antes de tomar posse e onde apresentadores de telejornais leem horóscopos no horário nobre.
Crentes comuns — muitos deles altamente escolarizados — buscam conforto em uma mistura de religião, ritual e metafísica, mesmo enquanto estudiosos islâmicos ortodoxos há muito declaram astrologia, leitura de mãos e adivinhação como incompatíveis com a fé.
Shabana Ali, uma taróloga com seguidores fiéis entre profissionais da capital, Islamabad, disse que não tem intenção de se registrar com o governo.
— Não estou interessada em ser julgada por clérigos que pensam em binários: haram e halal, verdadeiro e falso — afirmou ela.
Ao legislar sobre crença, disse Ali, “você não está apenas regulamentando fraudes. Você está decidindo que tipo de espiritualidade é permitida”.
Os defensores do projeto dizem que a fraude espiritual é tão disseminada que algo precisa ser feito.
— Há anúncios nos jornais, há inscrições nos muros de muitas cidades — pessoas promovendo magia bengali, pirs falsos, gente oferecendo feitiços de amor — disse Faisal Saleem, presidente do Comitê de Assuntos Internos do Senado, referindo-se a falsos “homens santos”: — Isso precisa acabar.
Outros, como Syed Ali Zanjani, cuja família dirige um centro espiritual em Rawalpindi, perto de Islamabad, acreditam que a intenção da legislação pode ser correta — mas que é preciso cautela em sua aplicação.
Zanjani recebe clientes em uma grande casa em frente a residências militares e a um campo de golfe. Um assistente recebe os visitantes no salão principal e oferece chá enquanto esperam.
Sua família está no ramo espiritual desde 1945, realizando sessões públicas de previsão e aconselhando todos os setores da sociedade, incluindo políticos, generais e empresários.
— Esse campo foi abusado por charlatães — disse Zanjani: — Se alguém quiser limpar isso, é uma coisa boa.
Mas ele é cauteloso quanto à forma como a lei pode ser aplicada.
— É preciso definir se a astrologia é ciência ou um assunto espiritual — disse ele: — Não se pode punir o que não se consegue explicar.
Já houve tentativas de regulamentar o ocultismo em toda a região.
Na Índia, vários estados aprovaram leis contra a superstição, muitas vezes após casos horrendos envolvendo exorcismos ou sacrifícios. Na Arábia Saudita, a polícia religiosa perseguiu pessoas acusadas de “feitiçaria”, em alguns casos levando à sua execução. Mas grupos de direitos humanos alertam que leis voltadas a práticas espirituais — frequentemente vagas por natureza — podem ser usadas como armas.
No Pearl Continental de Lahore, onde Anjum trabalha com uma lupa e um mapa astral aberto em um laptop, ele descreve seu trabalho não como misticismo, mas como “meros cálculos”.
Zanjani, no entanto, acredita que tais habilidades não podem ser reduzidas a equações.
— Nosso trabalho faz parte da espiritualidade, enraizada em uma longa tradição de misticismo islâmico — diz ele.
Entre esses dois — o astrólogo que acredita na razão e o espiritualista que acredita na tradição — está um país que agora precisa decidir até onde quer ir no policiamento do invisível.
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