Não há dúvida de que a renegociação das dívidas dos estados trouxe condições extremamente favoráveis para os devedores: além de permitir amortização através de transferência de ativos para a União —que deve ocorrer a um preço superior ao de mercado—, as condições de refinanciamento foram generosas, com a possibilidade de correção do valor devido apenas pela inflação.
Em termos concretos, a renegociação permite que os estados substituam despesa financeira por gasto primário, reduzindo o resultado primário consolidado do setor público. Seu verdadeiro custo é, portanto, aquele através do qual a União se financia, com emissão de dívida pública. E este é bem superior à inflação, com juros reais que hoje alcançam 7% a 8%.
O programa nada mais é que uma transferência de recursos da União para os estados. Em momento em que a principal causa da deterioração da percepção de risco está relacionada à sustentabilidade da dívida pública, essa renegociação traz, por óbvio, mais preocupações.
Especialmente porque o benefício envolve valores consideráveis. Algumas estimativas indicam que o programa poderia alcançar algo como R$ 500 bilhões em valores de hoje, a depender de quais estados aderirem ao programa e das modalidades de acesso escolhidas por eles. Não fosse esse um valor suficientemente elevado para impedir que essa renegociação fosse adiante, há outras questões igualmente pertinentes que foram completamente negligenciadas.
Primeiro, os recursos que estão sendo direcionados aos estados poderiam atender a outros objetivos. Uma possibilidade seria até reduzir o próprio endividamento público, considerando as altas taxas através das quais o governo se financia. Ou, pensando de forma mais ampla, serem direcionados para fortalecer outros programas do governo de maior impacto.
Em segundo lugar, essa implementação deixa os incentivos desalinhados, já que os estados tomam suas decisões de gastos considerando um custo muito menor que aquele de fato incorrido pela União. A custos tão baixos, e na expectativa de novas rodadas de negociação, é claro que os estados terão poucos incentivos para quitar suas dívidas.
E, terceiro, a conjuntura nunca foi tão favorável para que os estados pudessem honrar seus compromissos. Nos últimos anos, as receitas dos estados cresceram expressivamente por causa de uma série de medidas que ampliaram os recursos direcionados a eles, como as transferências extraordinárias da Covid e o aumento dos repasses da União para os estados em razão do aumento da arrecadação federal. Se nem mesmo agora um ajuste nos gastos dos estados é possível, quando então seria?
Nesse período, ao contrário, os estados utilizaram os recursos adicionais para ampliar gastos, que cresceram a um ritmo tão forte quanto os do próprio governo federal. Em muitos casos, os novos recursos serviram para ampliar despesas permanentes, como com pessoal. A renegociação ainda flexibiliza a regra de crescimento dos gastos, ao qual não se aplica o limite de 2,5% reais do governo federal, e traz poucas medidas de ajustes mais estruturais.
Ao todo, a renegociação representa uma expansão fiscal que trará desafios de curto prazo para a dinâmica inflacionária e de longo prazo para a dinâmica da dívida. Tudo o que não deveria estar acontecendo neste momento.
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