A 144ª sessão do Comitê Olímpico Internacional foi aberta em Olímpia, na Grécia, na terça-feira (18). A frugalidade da sede dos Jogos da Antiguidade, que a cada quatro anos reaviva a Tocha Olímpica, serviu de cenário por poucas horas. A escolha do próximo presidente da entidade, nesta quinta-feira (20), se dará a cem quilômetros dali, em Costa Navarino, conjunto de resorts de luxo à beira do Mediterrâneo.
Não falta dinheiro em caixa para tamanho conforto. O alemão Thomas Bach, 71, entrega o comitê com as contas em dia e os Jogos Olímpicos em alta, feito nada desprezível após 12 anos de fortes turbulências. Em sua primeira edição do evento como presidente, Sochi-2014, Bach, por exemplo, viu o anfitrião, Vladimir Putin, invadir a vizinha Crimeia no dia do encerramento dos Jogos de Inverno.
O balneário russo era herança de administrações anteriores, carregadas com suspeitas de favorecimento e corrupção entre integrantes do comitê. Investigações na França e no Brasil avançaram também sobre a escolha de Londres-2012 e Rio-2016. Combinada à ofensiva fluminense da Lava Jato, as ações levaram à desgraça Carlos Arthur Nuzman, até hoje “suspenso provisoriamente” do cargo de integrante honorário do COI.
Sochi também foi o ápice do gigantismo dos Jogos. Putin conseguiu a façanha de gastar mais do que Pequim-2008, até então a Olimpíada de maior custo da história, só que com o triplo de eventos. A gastança foi acompanhada por um programa estatal de doping, que durou de 2011 a 2015, e fez a Rússia ser suspensa dos Jogos.
Bach ainda encarou a pandemia e um inédito adiamento olímpico. Tóquio-2020 aconteceu sem público, um ano depois do previsto, mas ainda assim com relativo sucesso.
Com uma administração centralizada, o ex-esgrimista teve relativo sucesso em conter o gigantismo do evento. Impôs agendas compulsórias com uma série de parâmetros a serem perseguidos, como legado, urbanismo, questões ambientais, diversidade e paridade de gênero. Seguindo a receita à risca, Paris-2024 se tornou o novo paradigma das Olimpíadas, como se percebe nos manifestos de campanha dos sete candidatos a suceder Bach.
Eclético, o grupo tem duas grandes estrelas olímpicas, o ex-meio-fundista Sebastian Coe e a ex-nadadora Kirsty Coventry, e Juan Antonio Samaranch, que tenta repetir a saga de seu pai, dirigente polêmico que profissionalizou os Jogos e fez seu valor disparar em contratos de direitos de TV e patrocínio. Os três são apontados como favoritos: Coe e Samaranch com um plataforma de oposição à cartilha centralizadora de Bach, e Coventry, única mulher do pleito, como nome preferido do cartola alemão.
Uma espécie de segundo pelotão da disputa é formada por dirigentes: David Lappartient, presidente da UCI, que rege o ciclismo internacional, o príncipe jordaniano Feisal Al Hussein, membro do Comitê Executivo do COI desde 2019, Johan Eliasch, presidente da Federação de Esqui e Snowboard, e Morinari Watanabe, chefe da FIG, a entidade controladora da ginástica artística. Casas de apostas veem poucas chances de alguém emergir desse grupo.
Mesmo perdendo alguns patrocinadores importantes no último ciclo olímpico, o COI viu seu retorno comercial crescer 60% desde 2012, informou o comitê nesta quarta-feira (19). Em números, US$ 7,7 bilhões de 2021 a 2024, US$ 7,5 bilhões de 2025 a 2028, US$ 6,9 bilhões de 2029 a 2032 e US$ 4 bilhões de 2033 a 2036. Como esses são valores já assegurados, o prognóstico para a próxima década continua amplamente positivo.
O próximo presidente do COI, no entanto, terá que driblar a polarização política. Em 2026, os Jogos de Inverno serão na Itália de Giorgia Meloni e, dois anos mais tarde, o anfitrião será Donald Trump, em Los Angeles.
O presidente americano não esqueceu do esporte em sua ofensiva regulatória de começo de governo. Baniu atletas transgêneros de disputas escolares nos EUA e ensaia uma nova lista de nacionalidades proibidas de entrar no país, como a que afetou nações muçulmanas em seu primeiro mandato. Graças aos direitos de TV pagos pela NBC, os americanos são os maiores financiadores olímpicos, argumento que dificilmente Trump deixará escapar.
Em Paris, no ano passado, o COI manteve-se firme na disposição de barrar Rússia e Belarus dos Jogos, devido à invasão da Ucrânia, mas permitir a participação de seus atletas sob a bandeira olímpica. O comitê derrapou feio, no entanto, na administração da crise provocada pela participação de duas mulheres no torneio de boxe acusadas de serem transgêneros.
A novela foi precipitada por um ataque híbrido da Rússia, que se transformou em uma onda populista nas redes sociais. Não à toa, quase todos os candidatos a suceder Bach prometem uma determinação clara para o assunto no COI —o comitê, atualmente, empurra o problema para as federações.
A designação de sexo é uma questão antiga no esporte olímpico, assim como a neutralidade dos Jogos, bombardeada por conflitos divisivos como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Uma lista crescente de postulantes a receber edições futuras dos Jogos, com a presença de países como Índia, Hungria, Qatar e Arábia Saudita, também reaviva um passado que Bach conseguiu deixar para trás.
Nesta quarta-feira (19), o alemão, com lágrimas nos olhos, foi aclamado como presidente honorário vitalício pelo COI. Apenas repetir seu desempenho já será um desafio.
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