Nenhuma oposição que até hoje conseguiu aglutinar apoio contra a ditadura de Nicolás Maduro teve tarefa simples. O regime tem tentáculos criados desde a era Chávez. Agora, a onda de esperança que, com maior ou menor racionalidade, rondou as figuras de María Corina Machado e Edmundo González desinflou diante da última semana.
Maduro tomou posse cercado pelos mesmos militares a quem horas depois González pediu obediência em um discurso gravado no exterior. A oposição venezuelana está em uma sinuca de bico, e há pelo menos três importantes chaves para pensar essa dificuldade.
Primeiro, a política exterior. O recente giro de González pelas Américas reuniu apoios de musculatura, como o de Joe Biden, mas evidenciou a quem não quer tapar o sol com a peneira que os opositores seguem pregando para convertidos. Ficaram de fora Brasil e Colômbia, os vizinhos de maior envergadura da Venezuela.
São dois governos que não receberiam González, mesmo que tampouco reconheçam Maduro. Do lado de Gustavo Petro, impera a diplomacia pragmática. O ex-guerrilheiro já disse que as eleições não foram democráticas, mas quatro temas em sua mesa lhe dão a certeza de que romper com Maduro seria má ideia.
1) A Venezuela é um dos Estados garantidores das negociações de paz com as guerrilhas colombianas e é palco das negociatas que tem lideranças vivendo na Venezuela e proximidade com o regime chavista. A estratégia de “paz total” de Petro pode ter fracassado, mas puxar a toalha da mesa também não é uma opção.
2) Há um importante fluxo comercial na fronteira, reaberta pelo esquerdista, com exportações que cresceram 40% de 2023 a 2024; 3) As reservas colombianas de gás estão perto do fim, e Bogotá calcula que precisará de Caracas; 4) Imigrantes venezuelanos são 5% da população da Colômbia, de modo que ter contato com o país vizinho, até para apoio consular, importa do ponto de vista humanitário.
Já do lado de Lula, que cambaleou em seu discurso inicial e depois viu o chavismo desdenhar de Brasília, rege uma avaliação de que escalar o tom da crítica e levar a um possível rompimento tiraria do jogo um dos únicos países da América do Sul com algum canal de diálogo em Caracas e que poderia ajudar em uma eventual negociação.
A figura de María Corina não desperta grandes simpatias nos corredores do governo brasileiro, ainda que esse seja um fator marginal. A situação, como tudo em se tratando da Venezuela, é muito volátil. Há dois dias a diplomacia brasileira planejava se manter baixo perfil e não emitir notas sobre o pleito. Mas o acirramento da repressão em Caracas levou a um novo comunicado do Itamaraty neste sábado.
Na tríade dos dilemas da oposição, está também o poderio militar venezuelano. Opositores se fiaram à ideia de que, sem um rompimento militar, é impossível tirar Maduro. Não é mentira. São os militares, afinal, o que sustentam o regime.
Ocorre que ao menos com as informações que se têm disponíveis hoje é inviável imaginar um “quiebre militar”, como dizem. A cerimônia de posse de Maduro foi sucedida por um evento de mais de três horas ao lado das forças de segurança. Antes, um dos principais chefes militares compartilhava vídeos de mísseis dizendo: “Viver com honra e morrer com glória”.
Vladimir Padrino López, o ministro da Defesa que já reconhecia Maduro como eleito e lhe prometia lealdade horas antes de o órgão eleitoral divulgar os supostos resultados da votação, não dá nenhum sinal de fraqueza.
Mais do que isso, já se vão quase 20 anos que operam no país os chamados coletivos, milícias civis com treinamento militar, homens armados pelo regime. Há uma organização de base do chavismo obviamente questionável por seus ímpetos autoritários, mas que não se pode ignorar.
Por último, o regime pode até ter esboçado contradições, mas sabe bem usar os opositores a seu favor. De analistas a pessoas do entorno de María Corina há a avaliação de que é útil para o chavismo que ela esteja dentro do país e em liberdade.
Com reconhecidas conexões nos EUA e com a direita global, a ex-deputada é o personagem perfeito da metáfora do inimigo que o chavismo construiu. Diferentemente de González, ela se mostra favorável ao aumento das sanções internacionais.
Sob reserva pelo justificável temor à repressão, o diretor da principal empresa de opinião pública na Venezuela, com mais de 30 anos de atuação, compartilha os resultados da última pesquisa em campo que ajudam a entender o que se passa.
Em setembro, portanto dois meses após as eleições, 40% da população concordava que sanções ajudam a buscar a queda da ditadura —é um apoio que vem de cerca de dois terços daqueles que se dizem opositores (ao redor de 50% dos respondentes) e de metade dos que apenas dizem não se identificar com Maduro (cerca de 20% da população).
Mas ainda há essa fatia de 60% que não apoia o método.
Já González, que partiu para o exílio com o aval do regime, um homem de 75 anos atacado pelo chavismo com frases etaristas, é bem-vindo longe. Serve à ditadura para o argumento de que aquele que se diz eleito fugiu, ainda que seja público o fato de que González, que agora tem um genro desaparecido pelo regime, estava sob ameaça.
Não há nenhum caminho fácil ou óbvio para o grupo de María Corina e Edmundo González, exitosos por conduzir uma campanha eleitoral sob bloqueios, assédios e violência. Mas aos poucos fica mais claro que faz falta uma nova estratégia frente ao período de maior recrudescimento da ditadura. Entender as chaves dessas dificuldades sem romantizar o grupo opositor é um passo inicial importante.
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