O banco reativado pela gestão Cláudio Castro (PL) teve tapumes demolidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro num terreno da zona oeste, contratou o ator Márcio Garcia como garoto-propaganda de um empreendimento e entrou em conflito com Domingos Brazão, conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro) acusado no caso Marielle Franco (PSOL).
Os episódios fazem parte da tentativa da empresa BCM Ativos Imobiliários de obter o controle de terrenos na zona oeste do Rio de Janeiro que eram de propriedade do antigo Banco Crédito Móvel, de quem alega ser sucessora.
Como a Folha mostrou, a reativação do banco na Junta Comercial contrariou posicionamento da Procuradoria do Estado. Órgão do governo federal anulou a reativação, considerando a empresa extinta desde 1964. A decisão, porém, está suspensa para análise de recurso. A gestão Castro nega favorecimento.
O embate ocorre nos bairros da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Vargens, antiga área de propriedade do Banco de Crédito Móvel. A região é hoje foco da expansão imobiliária com forte disputa de terras, em alguns casos envolvendo milícias.
Em março de 2022, os sócios do BCM assumiram o controle de um antigo terreno do banco no Recreio dos Bandeirantes para desenvolver um empreendimento com 65 casas de alto padrão chamado Renew Life Residence. Para isso, entrou com um processo de loteamento na Prefeitura do Rio de Janeiro e cercou a área com tapumes.
Naquele momento, a empresa já estava com CNPJ nulo por decisão da Justiça, que considerou o banco extinto.
Em outubro daquele mesmo ano, a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), em operação conjunta com o Ministério Público, demoliu 300 metros de tapumes instalados, bem como retirou banheiros químicos, três reservatórios e dois contêineres. A pasta considerou que não havia licença para as intervenções.
O BCM afirma que havia sido notificado pela própria prefeitura para cercar a área.
Um mês antes da demolição, um dos sócios do BCM, o empresário Rodrigo Garcia, esteve na área VIP do Rock in Rio e tirou uma foto com Cláudio Castro. Com os dois na imagem, estava seu primo, o ator Márcio Garcia, que dois anos depois se tornou garoto-propaganda do empreendimento Renew Life.
Em nota, o BCM afirma desconhecer “até onde vai o conhecimento do governador sobre empreendimento como o nosso”.
“Infelizmente não temos acesso ou conhecimento de alguém que seja próximo ao governador. Se tivéssemos, com certeza, acredito que muitas coisas que conseguiram nos impingir não teria acontecido”, disse a empresa.
Questionado, Castro não comentou o encontro. O ator não respondeu aos contatos da Folha.
Em abril de 2023, a Prefeitura do Rio de Janeiro autorizou a construção de um muro no local.
Naquele momento, o grupo de empresários contava com uma decisão judicial a seu favor. A 12ª Vara de Execução Fiscal havia determinado ao 9º Registro Geral de Imóveis, responsável pelo Recreio, a inclusão do BCM na matrícula do terreno como proprietário do lote.
A decisão de março de 2023 ocorreu dentro da execução fiscal movida pelo município por dívidas de IPTU contra uma família que havia comprado o terreno do antigo banco. A transação, contudo, foi anulada em 2002.
O BCM se apresentou à Justiça como real devedor do imposto por alegar ser sucessor do banco, dono original do imóvel. A juíza Kátia Torres determinou, então, a alteração do registro do imóvel no 9º RGI para indicar a empresa como proprietária, como sendo uma devolução do lote ao Banco Crédito Móvel.
O 9º RGI, porém, não cumpriu a ordem judicial. Optou por apresentar uma dúvida à Vara de Registros Públicos, alegando ser aquele juízo o responsável pela determinação de abertura de novas matrículas. O caso ainda não teve decisão final.
Em meio à indefinição sobre a abertura de matrícula e a propriedade do imóvel, a prefeitura decidiu suspender a licença de loteamento. Manteve, contudo, a permissão para manutenção do muro, autorizado até outubro.
Em nota, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento afirmou “que a licença para a construção do muro foi concedida em conformidade com a decisão judicial”. “Quanto ao processo de loteamento, esclarece que as obras estão suspensas.”
O BCM afirma que todas as unidades chegaram a ser negociadas, mas, após desistências, há 80% dos lotes fechados.
“Estamos aprovando tudo que de direito necessário para dar entrada não só no RGI como no Sistema Financeiro Habitacional Independente”, afirmou a empresa.
O Renew Life também teve uma disputa com um antigo posseiro da região: João Peixoto. Contudo, ele não era mais o dono de todo o lote. Após vencer um processo por usucapião, ele havia vendido metade do imóvel para a Superplan, empresa de Brazão.
O uso de processos de usucapião é a base da acusação contra Brazão por organização criminosa no STF (Supremo Tribunal Federal) no caso Marielle Franco. A PGR (Procuradoria-Geral da República) afirma que ele e o irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, decidiram matar a vereadora para impedir que ela continuasse a prejudicar os interesses da família em práticas de grilagem de terras. Os dois negam.
Além da disputa pela propriedade de terreno, a Superplan também afirmou na Justiça que o Renew Life construiu muros dentro de sua propriedade, tomando cerca de 900 m² do terreno. O BCM nega.
“Não existe muro algum construído entre a área que a Superplan, dos irmãos Brazão, e qualquer outra área de nossa propriedade. O que existe é ação declaratória de nulidade da usucapião que outorgou escritura a quem lhe vendeu parte da área em questão”, afirmou o BCM.
O conflito entre o BCM e os Brazão foi mencionado em relatório complementar da Polícia Federal na ação penal do caso Marielle, no STF. Em nota, a defesa de Brazão disse que o imóvel “não guarda qualquer relação com o homicídio” da vereadora.
Deixe um comentário