É um caso raro, provavelmente único de matemático importante que foi distinguido com o Prêmio Nobel… de literatura. Eu conheci as suas ideias, inicialmente, por um outro ângulo: como autor da “História da Filosofia Ocidental”, magnífica obra em três volumes que eu li e reli à exaustão nos tempos da faculdade e que, certamente, influenciou a minha visão do mundo.
Bertrand Russell (1872–1970) nasceu na aristocracia britânica e, embora fosse o caçula da família, viria a herdar os títulos de conde (“earl”) Russell e visconde Amberley, que lhe conferiam um assento na Casa dos Lordes.
A adolescência solitária o levou a contemplar a possibilidade do suicídio de que foi salvo, segundo ele, pelos livros e a vontade de aprender mais matemática. É dessa época também o seu questionamento dos dogmas religiosos que ele consolidaria mais tarde no livro “Por que não sou cristão”, uma de suas obras mais controversas, que me caiu nas mãos quando eu era adolescente.
Por volta de 1900, Russell começou a se interessar pelo problema dos fundamentos da matemática. Desse esforço resultou “Princípios da Matemática”, trabalho em três volumes que publicou entre 1910 e 1913 em colaboração com o colega Alfred North Whitehead (1861– 1947).
Baseado na tese do logicismo, segundo o qual matemática e lógica são a mesma coisa, o livro representa um esforço monumental para formular toda a matemática rigorosamente em termos puramente lógicos, com o objetivo de eliminar os paradoxos da teoria dos conjuntos de Cantor, inclusive o paradoxo de Russell de que falei aqui na semana passada.
Mas, apesar de ter feito os dois famosos, hoje em dia é consenso que não alcançou esse objetivo. Para piorar as coisas, o texto é tão árido que logo circulou a piada (provavelmente correta) de que ninguém tinha lido a totalidade, nem mesmo os próprios autores.
Russell também se destacou como figura pública, particularmente na defesa do pacifismo, o que lhe valeu ser encarcerado algumas vezes. Também apoiou ativamente a campanha pela reforma das leis britânicas relativas à homossexualidade masculina, que alcançou sucesso parcial por meio de lei promulgada em 1967, quando ele ainda estava em vida.
Há várias anedotas a respeito dos seus períodos na prisão. Embora provavelmente sejam apócrifas, dizem muito sobre o que os seus contemporâneos pensavam dele. Numa delas, ao preencher o cadastro da cadeia teria se deparado com o campo “raça”. Sem hesitar, Russell escreve “humana”.
Em outra versão, a pergunta do cadastro é sobre “religião”. Russell responde “ateu” e o carcereiro, compreensivo, observa que “é natural que cada um tenha a sua religião, o que importa mesmo é que todos acreditamos em deus”.
A última prisão, por sete dias, foi em setembro de 1961, acusado de “perturbação da ordem” durante uma manifestação contra as armas nucleares em Londres. Em atenção aos seus 89 anos de idade, o juiz ofereceu isentá-lo da cadeia se prometesse que iria se comportar. Ao que Russelll respondeu “Não vou mesmo!”.
E cumpriu a promessa até falecer, aos 98 anos.
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