Na virada do milênio, Beth Ditto não achava que hoje, aos 43 anos, continuaria fazendo shows com o Gossip. “Falaria que isso seria impossível, mas é hilário como me sinto em casa ao lado deles”, diz a artista americana sobre voltar aos palcos com a banda.
Doze anos após “A Joyful Noise”, o sexto disco, “Real Power”, lançado em março do ano passado, simboliza a reconexão do trio formado por Ditto, Nathan Howdeshell e Hannah Billie.
A turnê do novo trabalho os levou ao palco do tradicional evento britânico Glastonbury e se alonga até o final deste ano, incluindo uma parada no festival paulistano C6 Fest, em 24 de maio. “Ter uma banda é como um casamento, mas o seu trabalho é criar coisas para agradar outras pessoas”, diz a cantora.
O catalisador do reencontro foi Rick Rubin, produtor do disco “Music For Men”, de 2009. Depois de dar um tempo no Gossip no início da década passada, Ditto seguiu em carreira solo, e preparava o sucessor de “Fake Sugar” (2017) no estúdio do lendário produtor no Havaí. Mas as músicas não fluíam, então o guitarrista Nathan Howdeshell foi convocado para as sessões de composição.
“Não seria certo ser um disco solo porque Nathan trabalhou duro nas canções. Ele precisa receber a atenção que merece por isso”, diz Ditto. A dupla se conheceu na adolescência na pequena cidade de Searcy, no Arkansas, e fundaram a banda na virada do milênio em Olympia, no estado de Washington, berço do movimento punk feminista dos anos 1990, o riot grrrl.
Na divisão das tarefas, ele cuida de todos os instrumentos, enquanto ela faz as letras e os vocais. Ao longo das 11 músicas, “Real Power” soa como uma versão madura do Gossip. “Estamos mais confiantes, ainda é doloroso escrever as letras, mas hoje não ligo tanto se as pessoas acharem boas ou ruins”.
O disco foi criado entre idas e vindas durante quatro anos. Uma das canções mais antigas é “Turn The Card Slowly”, com arranjo minimalista e foco na voz e na guitarra.
Ao elaborar o setlist da turnê atual, Ditto se surpreendeu com as possíveis combinações. “Você não celebra as suas conquistas na cena punk rock, isso soa ‘cringe’. Foi bom olhar para as nossas músicas e lembrar de quando o nosso set tinha apenas 15 minutos.”
Em comparação aos outros trabalhos, o registro propõe uma paleta sonora diferente, menos explosiva, porém ainda com o estilo do Gossip. Ao misturar punk rock com elementos eletrônicos em um ritmo dançante, a banda uniu as turmas do rock engajado do Bikini Kill com o pop queer e festivo do Scissor Sisters.
Muita água rolou desde que o grupo despontou na cena independente com “Standing in The Way of Control”, de 2005. A canção protestava a tentativa de banimento do casamento gay na administração de George W. Bush. Vinte anos depois da sua estreia, a canção continua atual em meio ao clima político americano.
“Quando a gente era jovem, quem era punk e queer não ia na Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ porque era algo palatável e corporativo. Não me sentia representada porque parecia algo fácil de engolir. Eram outros tempos, hoje em dia todo mundo vai na parada. Entendemos que precisamos nos unir contra algo maior do que todos nós”, afirma Ditto.
O que as duas décadas de estrada ensinaram para a artista é que não há garantias no seu meio. Em 2020, quando o mundo parou por causa do coronavírus, ela cogitou voltar a estudar e arranjar outro trabalho. “O Coldplay ficou bem durante esse período, mas todos os artistas do nível do Gossip pensaram em mudar de carreira”.
Saber que o sucesso poderia ser passageiro foi a razão pela qual ela nunca fez tatuagens. Assim, se precisasse mudar a rota e deixar de ser artista, poderia escondê-las. “Falo para as novas bandas: ‘faça cada disco como se fosse o seu último’. Você não tem controle quando o seu trabalho depende da opinião das pessoas”.
Em paralelo a banda, Ditto mantém uma conexão forte com a moda: ela chegou a ter uma marca de roupas plus size, e desfilou na passarela do francês Jean Paul Gaultier e do americano Marc Jacobs. No início dos anos 2000, ela era a única mulher gorda na cena do indie sleaze, tendência comportamental marcada pelo visual maximalista e festeiro, e conectada a bandas como Cansei de Ser Sexy, Yeah Yeah Yeahs e The Strokes.
Antes de qualquer apresentação, Ditto desenha o que gostaria de vestir no corpo, o tipo de maquiagem e o estilo da peruca. Para a turnê do novo álbum, buscou inspiração no estilo cabaré e no visual de Liza Minnelli. “Nunca deixei o mundo da moda me frustrar porque me divirto pensando no que vestir. Não uso nada chique, até porque é difícil achar roupas do meu tamanho”, diz.
Enquanto o Gossip estava em hiato, Ditto se aventurou na atuação, como no filme “A Pé Ele Não Vai Longe” (2018), de Gus Van Sant, e na série “Como se Tornar Uma Divindade na Flórida” (2019). “Não me acho uma boa atriz, sempre soube que voltaria à música caso não desse certo”, diz,
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