Samuel Couto é diretor editorial da HarperCollins no Brasil, que controla a Thomas Nelson, braço cristão que hoje concentra mais de um terço do mercado de publicações religiosas no país. Segundo ele, católicos compram e leem muito menos do que evangélicos.
Esse grupo mantém o mercado aquecido em busca das novas traduções da Bíblia que, em alguns casos, têm respaldo em achados arqueológicos. Para eles, a leitura é um exercício da fé, que alimenta um mercado em expansão.
A editora é só para evangélicos?
A Thomas Nelson publica livros para o cristão protestante. Dialogar com outras religiões cria barreiras. O evangélico tem preconceito com o produto católico.
Isso também vale para católicos?
Não. Tanto que temos múltiplos autores para evangélicos, como Max Lucado e C.S. Lewis, maciçamente lidos por católicos.
Entre católicos e evangélicos, quem compra mais?
O evangélico compra muito mais e lê pelo menos duas vezes mais que os católicos. A leitura do livro é a prática da fé protestante. A quebra entre a igreja católica e a protestante se dá justamente nisso: não é preciso padre para chegar a Deus. Basta conseguir ler e interpretar a Bíblia sozinho.
A Bíblia é o que mais vende?
A Bíblia protestante é, de longe, o livro mais vendido no mundo e a Thomas Nelson é a maior vendedora do mundo. O Brasil é o segundo maior comprador, com 12 milhões de exemplares no último ano, aproximadamente. Em volume, só perde para os EUA.
A editora tem muitos títulos na lista de best sellers. O mercado cresceu?
Os livros religiosos têm mais exposição. Estamos na Amazon, no Google, em locais que antes não eram monitorados [por quem faz o ranking dos mais vendidos]. O termo Thomas Nelson Brasil é mais pesquisado [no Google] do que grandes editoras como a Companhia das Letras.
Essa venda acompanha a expansão dos evangélicos no Brasil?
Não necessariamente. Pertence ao nosso grupo a tradução bíblica mais lida do mundo, a New International Version, e também a segunda mais lida, que é a King James Version, uma atualização da anterior. Essa é uma das razões pelas quais o grupo é tão relevante. E, mesmo assim, não somos os líderes de mercado. O maior vendedor [da Bíblia] é a Sociedade Bíblica do Brasil. Eles têm até barco descendo o rio Amazonas [para fazer a venda].
Qual a diferença entre as duas Bíblias?
A católica possui mais textos. A evangélica tem 66 livros. Há uma diferença histórica na tradução também. A católica foi canonizada na Idade Média. Todas as traduções são feitas a partir daquele texto. Os evangélicos deram um passo atrás ao traduzir diretamente do aramaico. Enquanto a católica é fixa, a evangélica recebe traduções novas todo ano. Algumas incorporam até descobertas arqueológicas de textos originais. Aí há um trabalho de comparação desses manuscritos.
Eles chegam a divergir?
Sim e criam-se leis a partir do novo entendimento.
Por exemplo?
O papel da mulher na sociedade, principalmente na ocidental, vem muito a partir da leitura da Bíblia. Temos descobertas de textos agora em que a palavra usada na Bíblia para pautar a [suposta] subordinação é diferente no manuscrito original. A mulher é descrita como serva em um texto [mais antigo] e como sacerdotisa em outro [mais recente]. Martin Luther King, que era reverendo, interpretou o texto para mostrar que a Bíblia não defendia a segregação.
Por isso há tantas igrejas evangélicas diferentes?
Exato.
A fé hoje é o que mais move o mercado editorial?
De longe é o público infantil. Não tenho dados precisos, mas o público religioso, somando todas as fés, viria na sequência. A HarperCollins é a quarta maior produtora do país e a Thomas Nelson responde por metade do grupo. Segundo a Nielsen, temos 35% do mercado de livros religiosos, o que ocorreu em cinco anos.
RAIO-X
Samuel Couto
Fez carreira no mercado editorial religioso, em que atua há 17 anos. Passou pela Mundo Cristão antes de chegar à Thomas Nelson Brasil, onde trabalha há 12 anos. É diretor editorial do grupo desde 2023. Foi ele quem negociou os direitos de dois fenômenos da literatura mundial no país: J.R.R. Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis, e C.S. Lewis, de As Crônicas de Nárnia.
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