O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Andrii Sibiha, vê espaço para o Brasil convencer a Rússia a aceitar um pacote de garantias de segurança na negociação para o cessar-fogo entre os dois países. Os ucranianos querem que países europeus monitorem o cumprimento dos termos de uma trégua, mas Moscou rechaça a presença de tropas europeias no país.
“O Brasil tem influência sobre a Rússia”, disse Sibiha à Folha, em Kiev. “Um país com profundas tradições diplomáticas sabe como pressionar países terceiros.” O tom é bem diferente daquele adotado pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, na reunião de Davos, em janeiro. Lá, Zelenski disse que o Brasil tinha perdido o trem e não seria mais um player em negociações.
A Rússia tinha concordado, em conversa entre Donald Trump e Vladimir Putin, com o cessar-fogo parcial para impedir ataques à infraestrutura energética. Mas os ataques prosseguiram, e a Ucrânia também atingiu alvos desse tipo.
Lamentavelmente, essa foi a resposta deles à proposta de cessar-fogo completo após Jiddah [reunião de negociação na Arábia Saudita]. Eles atacaram massivamente nossas cidades, alvos civis. É por isso que não confiamos neles e precisamos de esforços coletivos para pressioná-los pela paz. E aqui o Brasil poderia desempenhar um papel importante como um país com influência global.
O presidente Lula tem uma reunião bilateral com Putin em maio, e há a cúpula do Brics em julho. Que tipo de papel o governo brasileiro poderia desempenhar nas negociações de paz?
Do nosso ponto de vista, é hora da diplomacia. O apoio de um país como o Brasil é realmente crucial e importante. Confiamos no apoio brasileiro aos nossos esforços para alcançar uma paz justa e abrangente na Ucrânia. O Brasil tem influência sobre a Rússia. A Ucrânia não é um obstáculo para a paz. E os ataques massivos do lado russo após Jiddah demonstram quem quer paz e quem quer guerra.
Que tipo de influência o Brasil deveria exercer sobre a Rússia?
Influência política, diplomática. Um país como o Brasil, com profundas tradições diplomáticas, sabe como pressionar países terceiros. Para alcançar uma paz justa e abrangente, é necessário dar à Ucrânia um pacote de garantias de segurança.
Em janeiro, em Davos, Zelenski disse que “o trem do Brasil já passou” e que o país não era mais um ator nas negociações. Algo mudou após todas as ações que Trump tem tomado em relação à Ucrânia? O sr. e Zelenski gostariam de se encontrar com as autoridades brasileiras?
Tenho contatos constantes com meu homólogo [Mauro Vieira]. Nosso chefe de gabinete presidencial, Andrii Yermak, também tem contatos regulares com Celso Amorim. E, claro, estamos interessados no diálogo entre nossos presidentes. Estamos interessados em realizar a visita de nosso presidente ao seu grande país. E vice-versa, receberíamos com satisfação a visita do presidente Lula à Ucrânia.
Seria aceitável para a Ucrânia ter forças de paz chinesas e brasileiras para monitorar os termos do cessar-fogo, como uma garantia de segurança, em vez de tropas europeias?
Não quero de falar de “uma coisa em vez de outra”. Precisamos de garantias de segurança reais, e um dos elementos é a presença de forças militares estrangeiras. Temos o apoio de nossos amigos europeus. Estamos discutindo detalhes concretos sobre a possível implantação. Mas, de qualquer jeito, precisamos do envolvimento dos EUA, apoio de retaguarda a este pacote de segurança. Países europeus estão prontos para mandar suas tropas.
Não queremos Minsk 3 [nova versão dos acordos de Minsk de 2014 e 2015, de cessar-fogo após a guerra no Donbass] ou apenas uma ausência de guerra. Temos uma experiência muito negativa com o processo de Minsk. Mais de 25 vezes o cessar-fogo foi anunciado e imediatamente foi violado. Claro que os russos nos acusaram. E é por isso que precisamos de um mecanismo forte para monitorar este cessar-fogo.
Nossa linha de frente tem 1.300 quilômetros, você esteve lá, é muito desafiador ter um controle adequado sobre o cessar-fogo. Precisamos de medidas de construção de confiança, como a troca de prisioneiros de guerra e o retorno das crianças deportadas. Mais de 20 mil crianças ucranianas foram deportadas à força para a Rússia.
Quais são as linhas vermelhas para a Ucrânia?
Precisamos aumentar o preço para a Rússia de uma agressão futura contra a Ucrânia. Não será assumido nenhum compromisso que afete a integridade territorial e soberania da Ucrânia. Nunca reconheceremos [como russa] qualquer parte que foi ocupada pela Rússia. Também não admitimos restrições a nossas capacidades militares, ao nosso direito soberano de conduzir nossa política externa e à escolha de nosso país de se unir a quaisquer aliados.
Se os EUA interromperem novamente a ajuda militar e o compartilhamento de inteligência, quais seriam as maiores vulnerabilidades ucranianas?
Não quero discutir esse cenário, porque os EUA são nosso principal aliado. Mas, se estamos falando sobre nossas capacidades, devemos nos tornar mais autossuficientes na indústria da defesa. E aqui também contamos com o apoio de nossos parceiros. Temos a vantagem de que poderíamos testar produtos da indústria da defesa imediatamente no campo de batalha. Poderíamos produzir até 6 milhões de drones por ano. Esse também poderia ser um bom terreno para cooperação com o Brasil, as tecnologias de drones, não apenas para fins militares, mas na agricultura.
Houve um grande avanço na indústria de drones no país, mas a defesa aérea ainda é uma fragilidade, não?
É difícil substituir sistemas estratégicos de defesa aérea que poderiam derrubar mísseis balísticos. Esses sistemas são fundamentais para nossa resiliência e para dissuasão. E não apenas do ponto de vista militar, porque os russos têm total superioridade no ar, mas também para proteger alvos civis, para proteger nossas crianças, mulheres, e para encorajar nosso povo a retornar. Temos mais de 7,5 milhões de ucranianos que deixaram o país. Dar a eles essa sensação de segurança, com sistemas adicionais de defesa aérea, é crucial. No inverno, os russos atacaram nossas cidades com 2.000 drones por mês, em média. Eles usam 70, 80 mísseis de diferentes tipos em seus ataques massivos.
Como a Ucrânia vê a proposta de acordo de paz apresentada por China e Brasil?
Essa proposta não está em contradição com a nossa, a fórmula de paz do presidente Zelenski. Há muitos elementos semelhantes. Acolhemos todos os esforços dos países que nos apoiam para alcançar uma paz justa.
Raio-X | Andrii Sibiha, 50
Ministro de Relações Exteriores da Ucrânia desde setembro de 2024. É formado em relações internacionais pela Universidade Nacional Ivan Franko, de Lviv, e é diplomata desde 1997. De 2021 a 2024, foi vice-chefe de gabinete do presidente Volodimir Zelenski.
A repórter viajou à Ucrânia a convite da ONG Public Interest Journalism Lab.
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