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Direito animal X patrimônio cultural: proibição de carroças avança pelo país, desagrada categoria e divide especialistas


Proibições para o uso de carroças em áreas urbanas, sob a justificativa de conter maus-tratos sofridos por animais, se tornaram uma tendência em capitais brasileiras nos últimos anos, mas ainda geram embates entre condutores e prefeituras, além de dividir especialistas. O caso mais recente ocorreu no Recife, onde um protesto de carroceiros chegou a interditar vias no início da semana, após a gestão municipal dar seguimento à aplicação de uma lei de 2013 que prevê a proibição de forma gradual. Conflitos semelhantes já ocorreram em cidades como Belo Horizonte e Porto Alegre, enquanto Goiânia, por exemplo, optou por reconhecer e regulamentar a atividade.

O uso de tração animal para transporte também opõe pesquisadores do tema ouvidos pelo GLOBO. De um lado, o principal argumento contrário ao uso dos animais para o transporte em charretes e carroças é que há exploração, sobrecarga de trabalho e violação dos direitos dos cavalos. Do outro, defensores dessa prática negam que exista maus-tratos e alegam que ela constitui patrimônio cultural brasileiro.

Regulamentação sobre tração animal — Foto: Editoria de Arte
Regulamentação sobre tração animal — Foto: Editoria de Arte

No Recife, os carroceiros rejeitam as propostas de realocação de trabalhadores informais. A prefeitura, comandada por João Campos (PSB), afirma que, nos últimos anos, se reuniu com representantes de grupos de carroceiros e vaqueiros “no intuito de sensibilizar para os cuidados e bem-estar animal e apresentar soluções para a retirada gradual dos veículos de tração animal e alternativas sociais e de empregabilidade aos trabalhadores”.

“A gestão municipal mantém o diálogo aberto com a categoria e reforça que está em curso um censo até o dia 30 deste mês, cujo objetivo é contabilizar os animais utilizados, identificar os condutores envolvidos nessa atividade e dar apoio na relocação no mercado, a fim de garantir novas fontes de renda para as famílias”, afirma.

Na etapa atual, a prefeitura pretende cadastrar e identificar o animal e a carroça, que não serão apreendidos. O animal receberá um microchip sob a pele e a carroça um adesivo impermeável para identificação. A partir de agosto, os condutores cadastrados serão convocados para comprovar as informações declaradas. Quem atender aos requisitos, estará apto a receber indenização pela entrega voluntária da carroça e do animal e acesso a qualificação profissional.

Representante da categoria no Recife, Neno Ferrador diz defender os direitos dos carroceiros e dos cavalos, que, segundo ele, teriam o abate como destino após o recolhimento.

— Sou filho de um policial militar chefe da ferradoria do esquadrão da cavalaria. Eu levei uma vida toda com cavalos e tenho amor por eles. A gente nunca teve voz nessa questão legislativa. Apenas somos criticados. Tem deputados e vereadores nos chamando de bandidos. Não existe uma negociação com a gente, mesmo participando de audiências desde 2013. Saem pegando nossos cavalos — diz o carroceiro.

Ativistas ligados à proteção animal, por sua vez, defendem que há exploração e maus-tratos. Para a gerente de Políticas Públicas da ONG Proteção Animal Mundial, Natália Figueiredo, a diminuição gradativa do uso de animais para tração é uma medida necessária, que deve ser acompanhada de políticas públicas efetivas para garantia de “uma boa vida para estes animais e uma forma de transição dos trabalhos dos proprietários”.

— Precisamos nos lembrar que os animais sentem dor e medo. Infelizmente, na história, a relação humano-animal não tem prezado pelo cuidado com os bichos da forma como deveria — defende.

Há um ano, um grupo de carroceiros também protestou na Câmara de Vereadores de Teresina contra um projeto que proíbe o uso de animais de tração na cidade. Em Belo Horizonte, a prefeitura apresentou, em 2024, um plano de substituição de veículos de tração animal, que proíbe o uso de cavalos para trabalho nas carroças a partir de 22 de janeiro de 2026. A aprovação da mudança também já gerou mobilizações nas ruas da capital mineira no passado, assim como em Porto Alegre e Aracaju em 2017.

No estado do Rio, a prática de tração animal também é ilegal em área urbana, enquanto a capital possui uma legislação específica sobre o tema que não a proíbe, mas a regulamenta. Estão previstos, por exemplo, a proibição de menores conduzirem as carroças e da condução sem a devida habilitação prévia e emplacamento. Neste ano, a prefeitura do Rio acolheu ao menos 98 cavalos que foram abandonados ou salvos de maus-tratos. Os animais foram enviados para o Centro de Controle de Zoonoses.

Já em São Paulo, uma lei de 2006 proibiu a circulação de veículos de tração animal nas vias públicas pavimentadas. A mesma lógica foi seguida por Curitiba, em 2015. Já Goiânia optou por reconhecer a atividade do carroceiro e traz regras que possibilitam essa atividade, como a habilitação do condutor, o licenciamento e o plaqueamento das carroças.

Especialista em Direito Público e Privado, a advogada Anna Luiza Souza avalia que as leis de proibição à tração animal surgem diante do crescimento da consciência do legislador acerca da possibilidade de reconhecimento dos cavalos como sujeito de direito:

— Isso quer dizer que a preocupação com a causa animal tem paulatinamente garantido a edição de leis que protegem desde o cachorrinho que temos em casa até os cavalos que são usados como forma de tração de carroças e afins. Justamente por essa evolução de consciência que os legisladores estaduais e municipais vêm sendo cobrado pela população para a edição de normas que ampliem a proteção.

Já o Doutor em Ambiente e Sociedade Emmanuel Almada, da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), defende que as legislações que proíbem a tração animal são inconstitucionais e orientadas por uma perspectiva “elitista” e de “gentrificação” do espaço urbano. Para o pesquisador, o discurso que enquadra o trabalho entre carroceiros e cavalos como uma forma de “escravidão animal” ignora os mais de cinco mil anos de domesticação do bicho.

— O trabalho com animais e carroças é parte fundamental do patrimônio cultural brasileiro, protegido pela Constituição, estando associado ao modo de vida tradicional dos povos ciganos e comunidades quilombolas, inclusive em contextos urbanos — afirma. — A perseguição aos carroceiros também pode ser compreendida como um caso de racismo ambiental, uma vez que criminaliza os modos de vida e ofícios praticados por comunidades pobres e majoritariamente negras. Não há notícia de tentativas de proibir, por exemplo, o trabalho de cavalos das polícias militares ou mesmo em haras.



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