A minha tia Alice tem um hábito encantador. Ela propõe uma ideia absurda e, quando alguém reage, ela procede como se o comportamento absurdo fosse o de quem contesta. Funciona assim: “Para mim, quem matou o presidente americano John F. Kennedy foi a cantora Carmen Miranda“.
“Como é que isso seria possível, tia, se a Carmen Miranda morreu anos antes do assassinato dele?”
“Eu sei lá!”
O mais fascinante neste “eu sei lá!” é o desdém com que é dito. Significa: “Eu fiz o trabalho pesado, que é formular uma teoria, e logo uma teoria tão sofisticada que nunca ninguém, até hoje, pensou nela. Lancei uma hipótese, que é o primeiro passo do método científico. Estou ocupada com formulações teóricas, atividade a que só as mentes mais dotadas para a abstração costumam se dedicar. E vocês vêm com pormenores comezinhos como incongruências práticas. Eu sou das grandes ideias. Não me aborreçam com os prosaicos fatos concretos.”
Donald Trump é como a minha tia Alice. Lançou a ideia de fazer da faixa de Gaza a “riviera” do Oriente Médio.
Até aqui, tudo certo. Quem nunca testemunhou uma tragédia e pensou: “Olha só o cenário paradisíaco desta sangrenta catástrofe. Que lugar magnífico para um Club Med”?
Mas depois alguém teve a ousadia de perguntar: como vai ser construído esse luxuoso resort com vista para o mar sem tropas nem dinheiro dos americanos? Foi então que Trump e a sua administração responderam: “Eu sei lá!”.
Trump se limita a lançar propostas de reflexão. E se removêssemos 1,8 milhão de pessoas da sua terra para construir lá um complexo turístico agradável? Os aspectos práticos ficam para quem, não sendo tão inteligente, não tem alternativa a não ser lidar com a mesquinha realidade concreta.
Outro exemplo: durante a campanha, Trump disse repetidamente que acabaria com a guerra na Ucrânia em 24 horas. Como é óbvio, um pelotão de gente limitada começou a olhar para o relógio e a perguntar se havia novidades sobre este assunto.
Elas não compreendem dois pontos essenciais. Primeiro, Trump nunca especificou que período de 24 horas seria esse e quando ligaria o cronômetro. Depois, o mais atento percebe que a solução já existe, tão óbvia que Trump nem precisa a verbalizar. Basta construir um resort de luxo em Donetsk.
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