Uma empresa desmata mil hectares de vegetação para instalar uma fazenda solar. Um empreendimento cobre cem nascentes do rio São Francisco. Pás eólicas giram em uma torre de 100 metros a passos de uma escola pública.
Esses são três casos reais entre dezenas de outras situações que se avolumam no Brasil, em especial no Nordeste, desde que a primeira torre eólica surgiu no horizonte. Entre contratos draconianos de arrendamento de terras e atropelo de direitos humanos e da natureza, os setores eólico e solar acumulam um passivo de problemas impossível de digerir.
Aqui vale um recado para os lobistas do fim do mundo: é óbvio e inegociável que a humanidade precisa gerar energia renovável, com o mínimo possível de gases de efeito estufa, e abandonar os combustíveis fósseis que causam o aquecimento global. Pelo bem de todos, a última gota de petróleo ou molécula de gás fóssil a ser explorada não pode ser a última disponível.
Isso posto, a emergência climática não pode justificar atos desmedidos como desmatamento, ataque à biodiversidade, ameaças à integridade de crianças e mulheres, assédio a agricultores familiares e êxodo rural —inclusive em regiões que receberam investimentos nas últimas décadas para produzir comida fresca, e assim alimentar estudantes, por exemplo.
Em suma: para cumprir um objetivo de desenvolvimento sustentável, nenhum outro deve ser sacrificado.
O Brasil é um dos mercados mais promissores do mundo para captação de investimentos verdes. Contudo, a boa perspectiva não pode fomentar mais conflitos e violações de direitos humanos.
Com esse espírito, uma série de ações está em curso. Movimentos sociais e academia mapearam minuciosamente os problemas no Nordeste e construíram mais de cem recomendações para gestores públicos, empresas e agentes financiadores. O governo federal produziu seu próprio diagnóstico, e o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União têm dialogado com a sociedade.
O setor eólico olhou para dentro e reconheceu problemas, ainda que as empresas pouco ou nada tenham alterado seus atos. O setor de geração solar centralizada estuda passos semelhantes.
Agora falta colocar a máquina pública para rodar mais rápido: normas técnicas e legais precisam ser atualizadas, e o planejamento energético deve compatibilizar os usos múltiplos da terra e do mar para dirimir conflitos.
A discussão sobre a taxonomia sustentável brasileira, conduzida pelo Ministério da Fazenda, é outro caminho para fomentar boas práticas caso estabeleça salvaguardas socioambientais para a geração de energia renovável. Se incorporadas, elas geram mais confiança, menos risco social para quem vive no campo, e menos risco financeiro para investidores, fornecendo a tão necessária segurança jurídica do planejamento à execução.
A energia renovável não pode mais ser um simulacro de sustentabilidade. Agora é hora de agir.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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