Por um lado, a solidão é considerada uma epidemia, com efeitos comparáveis a fumar 15 cigarros por dia. Por outro, em um mundo cheio de informações e interações sociais, ficar sozinho por um tempo pode ser uma coisa boa para a saúde mental. Mas como você pode equilibrar o isolamento com um tempo para si?
“Frankenstein”, de Mary Shelley, discute a rejeição e o isolamento de um monstro criado durante um esforço científico. A pintura “O Grito”, feita por Edward Munch, retrata um homem desesperado que parece agonizar sem uma única pessoa para apoiá-lo. Na música “Eleanor Rigby”, os Beatles observam “as pessoas solitárias” e questionam “de onde elas vêm”.
Esses são apenas três exemplos de como as ideias de solidão e de solitude são tópicos populares em todas as formas de arte —e têm um enorme impacto na sociedade e em como nos sentimos nas interações sociais.
É inegável que esse assunto ganhou ainda mais relevância na última década.
Em 2023, a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a solidão uma “preocupação global de saúde pública” e lançou um comitê internacional para lidar com essa questão.
Porém, ao mesmo tempo, somos constantemente inundados por mensagens, emails, notificações de mídia social e outras informações que podem ser opressivas —e reforçam a necessidade de ficar sozinho por um tempo.
É possível evitar a solidão e se sentir conectado a uma comunidade por meio de interações significativas e ainda ter espaço para a solitude e momentos de autorreflexão?
A BBC levou essas questões para especialistas e pesquisadores —e eles também compartilharam algumas dicas práticas para atingir esse equilíbrio em nossas vidas diárias, como você confere a seguir.
Diferença entre solidão e solitude
A solidão é uma “emoção subjetiva e desagradável” que surge quando você sente “uma baixa qualidade nos relacionamentos sociais em relação ao que gostaria de ter”, explica Andrea Wigfield, diretora do Centro de Estudos da Solidão da Universidade Sheffield Hallam, no Reino Unido.
Ou, ao comparar os relacionamentos que tem com os de colegas, se sente insatisfeito porque as suas amizades parecem mais fracas e desinteressantes.
Enquanto uma pessoa isolada pode rapidamente se tornar solitária, também é verdade que é possível se sentir sozinho no meio de uma multidão.
A sensação de que você não pertence —ou de que a qualidade de suas conexões não é forte o suficiente— pode rapidamente levar a essa emoção subjetiva e desagradável, alerta a professora Wigfield.
Embora seja um problema antigo, a solidão se tornou um desafio para milhões durante os lockdowns prolongados e o distanciamento social obrigatório da pandemia de Covid-19. Isso deixou muitas pessoas isoladas em casa.
Já a solitude, por outro lado, é mais um estado temporário e pode trazer um momento bem-vindo de tranquilidade.
Trata-se de um período em que você está fisicamente só e não interage com ninguém nas redes sociais, explica a psicóloga Thuy-Vy Nguyen, pesquisadora do Laboratório de Solitude da Universidade de Durham, no Reino Unido.
A solidão faz mal à saúde. Um estudo recente da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, revelou uma associação entre o isolamento social e o aumento do risco de doenças cardíacas, AVC, diabetes tipo 2 e até uma maior suscetibilidade a infecções.
Wigfield acrescenta que também há evidências crescentes de que a solidão pode levar a demência, depressão, ansiedade e a um risco elevado de morrer por todas as causas.
O que está por trás dessa ligação ainda não está claro. Os médicos acreditam que isso acontece por causa de um aumento do estresse no corpo e à falta de estimulação cognitiva relacionada ao isolamento —o que piora as condições de saúde mental.
A OMS estima que 1 em cada 4 pessoas mais velhas esteja socialmente isolada, e entre 5% e 15% dos adolescentes enfrentem a solidão.
Além da idade, grupos específicos correm maior risco de se tornarem solitários. É o caso de imigrantes, minorias étnicas, refugiados, pessoas da comunidade LGBTQIA+, cuidadores e pessoas com condições de saúde crônicas.
Como superar a solidão?
Nos últimos anos, vários governos lançaram iniciativas para enfrentar a epidemia de solidão. O tema ganhou relevância na agenda política à medida que os custos milionários desse fenômeno para serviços de saúde e previdência social se tornaram evidentes.
Pesquisas mostram que o voluntariado pode ser uma estratégia de prevenção eficaz nesse contexto.
Em Hong Kong, um teste com 375 voluntários que prestavam serviços à comunidade local destacou que doar o tempo livre para uma causa em que você acredita pode aliviar a solidão, especialmente em adultos mais velhos.
Enquanto isso, países como Austrália e Holanda adotam uma abordagem diferente ao investir e incentivar a troca intergeracional. Gerações mais velhas e mais novas são encorajadas a se reunir em espaços compartilhados, como centros comunitários ou blocos habitacionais com áreas comuns.
Há também a prática crescente de “prescrição social” por médicos no Reino Unido. A ideia, em vez de indicar medicamentos, é encaminhar pacientes que estão extremamente isolados para serviços e atividades que conectam as pessoas —como encontros em cafés e bares, aulas de artesanato ou outros eventos sociais.
A psiquiatra da infância e adolescência Holan Liang explica, de uma perspectiva social, que desenvolver comunidades tolerantes que colaboram —onde todos têm um lugar e um propósito— é outra estratégia eficaz.
“Sempre verificar como as pessoas ao redor estão, promover a gentileza e ajudar os outros previne a solidão”, diz Liang, que também é autora do livro “A Sense of Belonging” (senso de pertencimento, em tradução livre).
Do ponto de vista individual, especialistas disseram à BBC que todos devem ficar de olho no nível de satisfação e na qualidade de seus próprios relacionamentos e amizades.
Vale ficar atento aos sinais de solidão —como sentimentos persistentes de tristeza e pouca vontade de socializar ou sair de casa.
Os sinais de alerta podem também incluir uma sensação de distanciamento —ou seja, não se sentir conectado com os outros ou com os lugares e espaços ao redor.
Existe um estigma sobre a solitude?
A professora Nguyen ressalta que, como uma espécie social, os humanos dependem de uma rede coesa que obedece a certas regras comunitárias para sobreviver. Como parte disso, “tendemos a apenas destacar a importância das interações sociais e de estarmos juntos”, aponta a pesquisadora.
“Nesse sentido, a solidão é estigmatizada”, diz Nguyen.
Mas um dos efeitos imediatos da solidão é acalmar, apontam as pesquisas.
Um estudo da Universidade de Reading, no Reino Unido, mostrou que momentos de solidão podem trazer benefícios e prejuízos em termos de bem-estar.
Os pesquisadores acompanharam 178 adultos por 21 dias. Durante esse período, os participantes tiveram que preencher diários e responderam questionários para medir o estresse, a satisfação com a vida, a autonomia e a solidão.
O experimento revelou que passar mais horas sozinho estava associado a uma redução de estresse, além de uma sensação de liberdade para escolher e ser você mesmo —o que, de acordo com os autores, sugere um “efeito calmante” da solitude.
No entanto, durante os dias com mais horas de isolamento da sociedade, os participantes relataram um sentimento de solidão ou menos satisfação com a vida.
Como encontrar momentos significativos de solitude
As evidências mostram que a solitude fornece espaço para a regulação emocional, além de uma sensação de liberdade e autonomia. Esses momentos para si podem ser uma ferramenta particularmente útil em períodos de maior estresse ou em um determinado dia em que você sente que há muita coisa acontecendo.
Nesse sentido, a solitude pode ser uma boa do ponto de vista da saúde mental. Mas passar tempo sozinho pode ser pesado demais para algumas pessoas.
A professora Nguyen recomenda construir os tempos de solitude aos poucos, até que eles se tornem um hábito regular.
“Sempre que as pessoas me perguntam como tirar proveito da solitude, uma coisa que recomendo é começar pequeno, com apenas 15 minutos por dia”, sugere ela.
Durante esses curtos períodos, você pode avaliar como se sente e o que gosta de fazer. Com o passar dos dias, é possível expandir esse tempo sozinho, minuto a minuto.
“Às vezes, as pessoas querem começar uma desintoxicação e decidem cortar o tempo nas telas ou o uso das redes sociais radicalmente. Isso pode gerar um desconforto, e você não vai querer repetir essa experiência novamente no futuro”, diz.
Mas há um limite para a solitude?
O estudo da Universidade de Reading citado anteriormente revelou que as pessoas passavam a se sentir solitárias e menos satisfeitas nos dias em que passavam mais horas sozinhas.
Para Nguyen, o equilíbrio perfeito não deve ser quantificado em horas, mas, sim, em termos de qualidade.
Ela ressalta que algumas pesquisas mostram que a solidão começa quando estamos sozinhos por 75% do tempo que passamos acordados.
“Mas isso realmente depende de cada indivíduo e de como você se sente a cada dia”, diz ela.
E o que fazer durante esses minutos de desconexão da sociedade?
Os especialistas sugerem encontrar atividades que sejam estimulantes, mas também proporcionem descanso e relaxamento. Vários hobbies e atividades são compatíveis com a solitude, como leitura, jardinagem, caminhadas na natureza, ouvir música, cozinhar e fazer artesanato.
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