A Associação Paulista de Medicina (APM) decidiu divulgar um canal aberto para que médicos que sofram hostilidades de políticos em local de trabalho registrem queixa. Os casos se multiplicaram no estado de São Paulo. Só neste ano, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) registrou 29 queixas de invasões por vereadores a hospitais e postos de saúde.
Os políticos entram nos estabelecimentos, normalmente filmando as ações, e acusam os médicos de não estarem trabalhando. Abordam os profissionais quando eles fazem pausas previamente programadas e entram em alas de acesso restrito.
O Cremesp afirma que passou a enviar ofícios aos parlamentos municipais, ao Ministério Público e aos próprios vereadores.
“Nos chamou a atenção pelo modo como elas começaram a ser realizadas. Tomamos providências porque não foi um caso isolado, foram 29. Isso é o que recebemos, pode ter tido número maior”, diz o presidente do Cremesp, Angelo Vattimo.
A APM emitiu um comunicado orientando seus associados a formalizarem denúncias por meio de canal oficial da instituição.
“A exposição sensacionalista de visitas descontextualizadas, voltadas à obtenção de engajamento em redes sociais, não configura fiscalização legítima”, afirma o aviso da APM.
No mesmo texto, a associação se compromete a acionar Câmaras Municipais, Ministério Público e outras autoridades.
“A nota é um estímulo aos médicos, para que possam tomar providências contra esses parlamentares”, afirma o presidente da APM, Antônio José Gonçalves. Segundo ele, o profissional de saúde “às vezes acaba resolvendo com a segurança do hospital e termina nem denunciando”.
Ana Carolina Araújo Barbosa de Assis, advogada e consultora do departamento jurídico da APM, observa padrões nos casos.
“Esse tipo de situação ocorre principalmente em hospitais nas periferias [das cidades]. Neles há maior número de pessoas procurando serviço, com pouca instrução. Essa forma de abordagem gera o impacto político que eles esperam”, diz.
A advogada relata que os políticos fotografam médicos em momentos de descanso comuns em escalas de plantão de mais de 12 horas.
“Já tive clientes que foram fotografados dormindo”, afirma.
Os registros recebidos pelo Cremesp são distribuídos por cidades de todo o estado: Campinas, Guarulhos, São José do Rio Preto e Valinhos são alguns exemplos.
Em fevereiro deste ano, em Felício dos Santos (MG), o vereador Wladimir Canuto (Avante) invadiu uma sala restrita da UBS (Unidade Básica de Saúde) da cidade, e um idoso de 93 anos que estava sendo atendido morreu durante a ação.
Em vídeo publicado nas redes sociais, ele diz que entrou na área porque vários pacientes aguardavam atendimento há horas na recepção do centro de saúde e precisava saber o que estava acontecendo por ser “fiscal do município”.
Em 2024, no Rio de Janeiro, o ex-vereador Gabriel Monteiro foi condenado a um ano de prisão por ter invadido a Coordenação de Emergência Regional do Leblon, na zona sul, durante a pandemia de Covid, sob o pretexto de realizar “vistoria”.
O Cremesp também encaminhou uma circular aos responsáveis técnicos dos serviços de saúde orientando a proibição de políticos em áreas privativas da medicina.
com KARINA MATIAS, LAURA INTRIERI e MANOELLA SMITH
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