A cada enxadada, uma minhoca. Basta voltar atenção a qualquer coisa bolada por Elon Musk para topar com coisa ruim. Além de exterminar o serviço público nos EUA, o Doge de Trump também está no encalço da astronomia.
Neste caso é o empresário, e não o mandachuva sul-africano não eleito, que põe em risco todo um setor de pesquisa. Sua empresa Starlink pôs em órbita uma muvuca de satélites que prejudica a visão dos maiores telescópios do mundo.
O enxame de artefatos em torno da Terra teve crescimento exponencial em cinco anos, chegando a 11 mil. Desses, 7.000 abastecem com terabits as pequenas antenas da Starlink, que levam cobertura a lugares remotos como a amazônia. A firma de Musk e outras têm planos para lançar dezenas de milhares de satélites.
Toda tecnologia benéfica tem efeitos não pretendidos. Conexão à internet é uma dádiva para comunidades indígenas ou ribeirinhas isoladas, mas também facilita a vida de garimpeiros, madeireiros, traficantes e grileiros.
Os satélites da Starlink e outras empresas riscam o céu noturno com quantidade crescente de pontos mais, ou menos, brilhantes, a depender de tamanho, formato e distância. Em 2017, o reflexo de um fragmento de satélite foi confundido com uma rajada de raios gama, informa Alexandra Witze na Nature.
Não é brincadeira: satélites obrigam astrônomos a monitorar seus percursos, de modo a evitar observações quando os objetos estão passando. Existem bancos de dados para mapear trajetórias, mas não são ultraprecisos, porque elas podem mudar pelo atrito com a atmosfera ou por manobras de posicionamento.
Um dos focos de preocupação está no topo de uma montanha no Chile, o Observatório Vera C. Rubin, que custou US$ 810 milhões (R$ 4,6 bilhões). Dotado de telescópio com espelho de 8,4 m, pode registrar um milhar de instantâneos detalhados por noite, para compor um levantamento do céu austral em dez anos e, por exemplo, captar asteroides na rota da Terra.
Nesse período, estima-se que até 40 mil satélites poderão estar circulando sobre o Rubin. Caso isso se concretize, cerca de um décimo das imagens geradas flagrarão a passagem de pelo menos um desses aparelhos.
O desenvolvimento das tecnologias de telecomunicação pode criar outros problemas. Novas versões de satélites precisarão ser lançadas, e os obsoletos passarão a integrar o lixo espacial em órbita.
Há mais. Além de refletirem luz, alguns artefatos emitem radiação eletromagnética que atrapalha estudos por radiotelescópios. A interferência tende a piorar com o advento de satélites que se comunicam direto com celulares, como fazem antenas em terra.
Não bastasse, a explosão populacional de satélites também gera poluição química, não só radiante. Além do monóxido de carbono e do CO2 emitidos em sua produção e por foguetes de lançamento, a reentrada dos aparatos aposentados pulveriza e espalha um monte de compostos pela atmosfera, como metais.
Mais uma razão para regular internacionalmente o lançamento de satélites. Só que não: estamos em pleno retrocesso na concertação de esforços para resolver problema muito mais grave, a crise do clima. Se não mantemos nem a casa terrena limpa, é vão esperar disciplina do capitalismo da porta para fora –no espaço.
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