A Turquia mergulhou em uma crise política de consequências ainda imprevistas desde o último dia 19, quando o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan determinou a destituição e a prisão do prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, seu potencial adversário nas eleições presidenciais de 2028.
Os protestos diários nas principais cidades do país não dão sinais de arrefecer, mesmo sob violenta reação policial. A escalada das detenções, que superam 1.800 pessoas, injeta combustível nas manifestações. As palavras de ordem abarcam toda sorte de descontentamento popular —do avanço autoritário de Erdogan, no poder desde 2003, à inflação próxima dos 40% ao ano.
Reeleito em março de 2024, quando a oposição notavelmente avançou nos principais municípios, Imamoglu é considerado um líder com capital político suficiente para catalisar a aversão de setores democráticos a uma possível reforma da Constituição que, especula-se, permitiria a Erdogan a disputa de mais um mandato de cinco anos em 2028.
Mais do que isso, o prefeito tem sido apontado como o candidato com melhores condições de aglutinar a oposição nas urnas contra qualquer que seja o concorrente do Partido da Justiça e do Desenvolvimento —o próprio Erdogan, fundador da legenda, ou um eventual títere.
Não passou despercebido o fato de a prisão do oposicionista, sob acusações de corrupção, ter ocorrido dias antes de sua consagração nas primárias do Partido Popular Republicano como candidato presidencial.
Igualmente preocupante foi a pressa de Erdogan em vincular as manifestações em curso a uma tentativa de golpe de Estado. Recorda-se que o levante das Forças Armadas em 2016 proporcionou ao mandatário o ponto de partida de sua guinada autoritária.
Desde então, o regime turco vê-se maculado pela suspensão de direitos fundamentais, perseguição a setores da oposição, erosão da autonomia do Judiciário e restrição à liberdade de imprensa.
Não à toa, a Turquia esteve entre os dez países com maior declínio de liberdades civis na última década, segundo relatório do Stockholm Center for Freedom. Figurou ainda na 103ª posição do mais recente Índice de Democracia da revista The Economist.
O que está por vir é tão incerto quanto inquietante. Para a sociedade turca, sobretudo, que se vê mais distante dos princípios democráticos, mas também para a comunidade internacional, dado o papel geopolítico da Turquia na equação dos conflitos no Oriente Médio e no Leste Europeu.
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