Num julgamento com roteiro e desfecho previsíveis, coube ao ministro Luiz Fux proporcionar alguma emoção na sessão da Primeira Turma do STF nesta terça-feira (25), confirmando a expectativa das defesas dos denunciados pela suposta trama golpista.
Os sinais haviam surgido na véspera, quando ele interrompeu o julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, “a mulher que pichou a estátua da Justiça”, que virou um símbolo para os bolsonaristas da mão pesada do STF.
As posições do ministro foram recebidas com algo próximo de euforia por advogados conformados em conseguir no máximo arranhar a convicção já formada da corte pela condenação de Jair Bolsonaro.
A primeira divergência foi sobre o foro para o julgamento, que Fux defendeu que fosse transferido para o plenário. Nada que se comparasse, no entanto, à sua crítica às fragilidades da delação do tenente-coronel Mauro Cid, de longe o principal elemento probatório contra Bolsonaro e aliados.
“Vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade”, disse Fux.
Explicou que, se não achava que era o caso de nulidade da delação agora, não excluía defender essa possibilidade em outras fases do processo.
Arrematou com um pedido no mínimo incomum: quer acompanhar presencialmente os depoimentos de Mauro Cid durante o julgamento, para formar sua própria convicção sobre a sinceridade nas palavras do ex-assessor de Bolsonaro.
É possível que Fux tenha influenciado os dois ministros que se pronunciaram em seguida, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Ambos foram na mesma linha, reconhecendo que a delação tinha problemas, mas dizendo que não era o momento de rejeitá-la.
Zanin, ex-advogado de Lula e opositor feroz das delações da Lava Jato que incriminaram seu então cliente, observou que “o delator pode ter mentido, é uma possibilidade”.
Prevaleceu, no entanto, o voto do relator, Alexandre de Moraes, que previsivelmente fez uma defesa enfática da confiabilidade de Mauro Cid como delator, apesar de suas idas e vindas.
Em linhas gerais, disse que os seguidos depoimentos, em vez de demonstrar fragilidade, eram mecanismos de aprimoramento da colaboração. E, como costuma fazer, revestiu seus argumentos de retórica contra os produtores de fake news e de um nacionalismo meio fora de lugar. “Não vão intimidar o Poder Judiciário. O Brasil é um país soberano e independente”, afirmou.
Como linha auxiliar, Moraes contou, como já era esperado, com Flávio Dino, que cumpriu a tarefa de reverberar os argumentos do relator. Outro veterano das batalhas da Lava Jato, Dino traçou uma distinção entre as delações daquela operação e as de agora.
“A melhor forma de matar uma boa ideia é executando-a a mal”, disse o ministro, em referência velada às colaborações tocadas por Sergio Moro e Deltan Dallagnol —e depois anuladas.
Houve, segundo ele, uma “estigmatização do instituto da delação premiada“, que seria apenas “um meio de obtenção de provas como outra qualquer”. “Não há rejeição moral à delação premiada”, concluiu.
A pitada de drama inserida por Fux muito dificilmente levará a um resultado favorável para Bolsonaro ou o núcleo mais próximo dele, seja na aceitação da denúncia ou no julgamento e provável condenação ao ex-presidente.
Pode haver, no entanto, espaço para alguma gradação de penas e reavaliação de acusações relacionadas a personagens secundários da trama.
O que o ministro fez questão de deixar claro é que, como disse em determinado momento da sessão, “a matéria não é tão pacífica assim”, como a dupla Moraes-Dino quer fazer crer.
A pergunta óbvia é o que teria acontecido se, em vez dos cinco ministros da turma, o caso estivesse sendo julgado pelos 11 do plenário, que incluem 2 indicados por Bolsonaro (Kassio Nunes Marques e André Mendonça).
Certamente o roteiro montado pelo relator, que parece seguro até seu desfecho final, ficaria mais exposto a intempéries.
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