O Ministério dos Direitos Humanos reconheceu oficialmente nesta segunda-feira (24) a negligência do governo federal na guarda e identificação das ossadas da vala clandestina de Perus, no cemitério Dom Bosco, na região norte de São Paulo.
A ministra Macaé Evaristo conduziu, no cemitério, uma cerimônia com pedido de desculpa aos familiares de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar (1964-1985).
A negligência na condução dos trabalhos de identificação, segundo admite o governo federal, ocorreu entre 1990 e 2014.
“O direito à verdade é um direito inalienável que estabelece deveres que têm que ser levados muito a sério pelo Estado: o dever de proteger e garantir os direitos humanos, o dever de conduzir investigações eficazes e o dever de garantir reparações”, disse a ministra.
A vala clandestina, usada ilegalmente na década de 1970 para enterrar indigentes e desaparecidos políticos, foi aberta em setembro de 1990. No local foram encontradas 1.049 caixas com remanescentes humanos —41 ossadas seriam de opositores à ditadura.
Inicialmente, os restos mortais foram levados à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e à UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
No pedido de desculpas, Macaé citou as denúncias sobre condições precárias de armazenamento, o que levou o governo a transferir as ossadas para o IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo e, após ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, para o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Em 2014, a Unifesp criou o Grupo de Trabalho Perus, responsável pela limpeza dos remanescentes humanos, análise antropológica e coleta de amostras ósseas para exames genéticos. Em abril de 2019, durante o governo Bolsonaro, o grupo foi extinto.
No ano passado foi assinado um novo acordo de cooperação técnica do Ministério dos Direitos Humanos com a Unifesp e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos para a retomada do grupo, com financiamento do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Até hoje, 35 anos após a abertura da vala, apenas cinco desaparecidos políticos foram identificados —Dênis Casemiro (1991), Frederico Eduardo Mayr (1992), Flávio Carvalho Molina (2005), Dimas Antônio Casemiro (2018) e Aluísio Palhano Pedreira Ferreira (2018).
“Eu passei esse tempo todo dividindo o meu tempo entre o trabalho, a busca pelo Flávio e a família. É muito difícil e gera angústia. Eu esperava que terminasse, mas não vai terminar nunca”, disse Gilberto Molina, irmão de Flávio Molina, durante a cerimônia de pedido de desculpa.
Flávio integrou a ALN (Ação Libertadora Nacional) e o Molipo (Movimento de Libertação Popular). Ele morreu após ser preso em São Paulo, sob tortura. Após a identificação, os restos mortais foram trasladados para o Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, onde nasceu.
Operário em São Bernardo do Campo, Dênis Casemiro atuou na VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e foi preso em ação comandada pelo delegado Sérgio Fleury. Em depoimentos, presos políticos afirmaram que ele morreu sob tortura, em 1971. Os restos mortais foram levados para Votuporanga, em agosto de 1991.
Também militante da ALN, Frederico Eduardo Mayr foi morto em São Paulo, após ser preso e enterrado clandestinamente no cemitério de Perus. Depois da identificação, a ossada foi levada para o jazigo da família no cemitério dos Ingleses, no Rio.
Acusado por órgãos de segurança da ditadura de ter comandado o assassinato do industrial Henning Albert Boilesen, Dimas Antônio Casemiro teria morrido em 1971, sob tortura. Ele era irmão de Dênis e teve os restos mortais sepultados em Votuporanga, em 2018, 47 anos após a morte.
Sindicalista e militante da VPR, Aluísio Palhano Pedreira Ferreira também morreu em 1971, após sessões de tortura. A ossada dele foi entregue à família.
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