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Lar Política ‘Guerra do Batom’ é pivô da anistia e expõe STF como alvo – 05/04/2025 – Poder
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‘Guerra do Batom’ é pivô da anistia e expõe STF como alvo – 05/04/2025 – Poder

Em um vídeo publicado nas redes sociais, a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro (PL) convocou a militância bolsonarista para o ato a favor da anistia aos golpistas que invadiram a sede dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Uma música épica serviu de trilha sonora para o texto, recitado à maneira de um jogral por apoiadoras do ex-presidente. Todas vestiam camisa branca com o dizer “Anistia Já!”, escrito com batom, e incentivavam que as mulheres fossem à avenida Paulista, neste domingo (6), empunhando sua maquiagem.

Era uma referência ao caso de Débora Rodrigues dos Santos, acusada de cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano ao patrimônio tombado, dano qualificado com violência e associação criminosa armada.

Ela ficou conhecida por ter pichado a estátua diante do STF (Supremo Tribunal Federal) durante os ataques golpistas e virou símbolo da defesa de anistia pela oposição no Congresso. Para especialistas, seu caso reflete também a maneira como o Judiciário virou um alvo político na história recente do país.

“A razão da anistia é deixar essa história que a esquerda insiste em resgatar para trás. O governo Lula é atrapalhado, falar em tentativa de golpe é cortina de fumaça para a falta de liderança do PT“, diz a deputada federal Rosana Valle (PL-SP), que participou do vídeo.

“Os bolsonaristas estão usando Débora para ter uma comoção, são milhares de mulheres presas no país. Não pode haver anistia, porque a impunidade deixa um recado de que é possível dar golpe”, diz a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP).

Nascida em Irecê, na Bahia, Débora, de 39 anos, mora em Paulínia (SP), a 117 km da capital paulista. Ela é casada, tem dois filhos —um de 11 anos e outro de 8— e concluiu um curso, há quase duas décadas, para trabalhar como cabeleireira. Em depoimento à Polícia Federal, disse ter pagado R$ 50 do próprio bolso para viajar de ônibus do interior paulista até o Distrito Federal.

Ela ficou um dia acampada em frente à sede do Quartel-General do Exército e, no dia da invasão, caminhou oito quilômetros até a praça dos Três Poderes. Chegando lá, disse ter avistado um homem tentando pichar a estátua do STF com o dizer “perdeu, mané” e resolveu ajudá-lo, relata a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Naquele contexto, a frase “perdeu, mané” fazia referência à fala do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, dita a bolsonaristas que o hostilizaram, durante uma viagem a Nova York, logo depois das eleições presidenciais de 2022.

A cabeleireira passou dois anos presa em Rio Claro, no interior paulista, e chegou a enviar uma carta, pedindo desculpas ao ministro do STF Alexandre de Moraes, que negou à sua defesa nove pedidos de liberdade provisória.

O ministro ainda votou pela condenação dela a 14 anos de prisão, com uma multa de R$ 50 mil. O ministro Flávio Dino acompanhou o voto, e Luiz Fux pediu vistas, suspendendo o julgamento no último dia 24.

No dia 28, Moraes decidiu por conceder prisão domiciliar a Débora. Bolsonaro viu, na decisão do ministro, um “recuo tático”, acreditando ser desmedida a pena de 14 anos de prisão.

Paulo Ramiro, professor de sociologia da ESPM (Escola Superior de Marketing e Propaganda), diz que a ação da cabeleireira não é só uma pintura em um monumento: tem peso simbólico, antes das consequências políticas e jurídicas.

“É uma afronta aos Poderes instituídos e uma tentativa de passar por cima das leis”, diz ele, lembrando a importância da escultura “A Justiça”, criada em 1961 pelo artista plástico mineiro Alfredo Ceschiatti. A obra reproduz a deusa romana Justiça, que corresponde, na tradição da mitologia grega, a Dice. Estilizada, a escultura tem os olhos vendados, numa representação da imparcialidade do Judiciário.

Segundo Ramiro, a atitude de Débora se inscreve no contexto do neopopulismo, ascendente na América Latina. Essa forma de exercer o poder, diz o pesquisador, transmite aos apoiadores a crença de que as instituições não têm legitimidade para exercer as suas funções. Ramiro diz que, na origem do problema, a pichação da estátua significa uma politização do Judiciário.

Ele afirma que Bolsonaro atacou o STF ao longo de seu mandato porque a corte precisou se expor para julgar temas sobre os quais o Legislativo evita debater, como as pautas de comportamento, caras à militância do ex-presidente. “Diante de um Congresso pouco atuante, o STF se politiza”, afirma Ramiro.

Nesse desequilíbrio entre os Poderes, a democracia brasileira se fragiliza, tornando-se mais suscetível a arroubos autoritários. Professor de ciências políticas da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Paulo Henrique Cassimiro concorda que a politização do Judiciário tem sido um problema para a democracia brasileira.

“A frase de Barroso já é um equívoco. Ele não tinha de falar aquilo, mesmo hostilizado”, diz, acrescentando que o caso da cabeleireira será usado por bolsonaristas para votar o projeto sobre a anistia.

“Ao isolar o caso de uma tentativa de golpe, é mais fácil fazer parecer que há um exagero na pena dela”, afirma o pesquisador. “Os militares de 1964 nunca foram responsabilizados por seus atos. Não anistiar os golpistas de 2022 pode marcar um ponto de virada para a democracia.”

No início da última semana, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do PL na Câmara, disse avaliar a candidatura de Débora nas eleições de 2026, como um símbolo da luta por liberdade de expressão.

Do outro lado, a esquerda também passou a explorar a simbologia do batom. Em um evento realizado para lembrar a data do golpe militar, petistas passaram a defender a mobilização popular nas ruas, sugerindo a apropriação da maquiagem pela militância feminina.

Ecoando a fala de José Dirceu e José Genoino, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, líder do grupo Prerrogativas, que é alinhado ao governo Lula, afirmou que o batom deveria simbolizar a situação de milhares de mulheres, encarceradas no “sistema penitenciário medieval” do país.

Para Gabriela Zancaner Bandeira de Mello, professora de direito constitucional da PUC-SP, a politização do Judiciário sempre existiu, embora o STF tenha precisado atuar em temas que o Congresso poderia legislar. “Não acho que seja grande a pena de 14 anos para Débora”, diz Bandeira de Mello.

A especialista tampouco pensa que Moraes entrou em contradição ao conceder a prisão domiciliar para a acusada. Para ela, o ministro reconhece que a ré não pode ser penalizada pela demora do julgamento.

“Não se deve ter anistia. A nossa democracia ainda não está consolidada. Passamos por dois impeachments e uma tentativa de golpe de Estado”, afirma.

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