No futuro será impossível negar que houve genocídio na Faixa de Gaza, com mais de 50 mil mortos até aqui, 2,3% da população de 2,2 milhões. Mas em universidades dos Estados Unidos, hoje, apontar esse fato pode dar em expulsão ou deportação.
Antes que acusem esta coluna de antissemitismo: foi terrorismo da pior espécie o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023. Mais de 1.200 pessoas foram assassinadas na incursão, com a tomada de 251 reféns, 59 deles ainda retidos em Gaza, após 540 dias de cativeiro desumano.
A afronta a direitos humanos e o emprego de civis como alvos são práticas comuns por uns e por outros, há muito tempo. Ninguém cruza a fronteira a passeio. Mas bombardear hospitais e impedir ajuda humanitária são crimes de guerra cometidos pela parte com óbvia superioridade militar.
No contexto dessa guerra suja, a ciência norte-americana atravessa período sombrio. Bolsas e projetos de pesquisa são suspensos sem prévio aviso em instituições como os NIH (Institutos Nacionais de Saúde), potência biomédica. Listas de termos associados com diversidade, igualdade e inclusão provocam demissões, cortes de verbas e censura a documentos e páginas na internet.
Sob pretexto de combater o antissemitismo, o valentão Donald Trump fez de Columbia bode expiatório e a pôs de joelhos ao cortar US$ 400 milhões (R$ 2,3 bilhões) de fomento à pesquisa na universidade no epicentro do movimento de 2023 em apoio à Palestina
Foi além. Prendeu Mahmoud Khalil, estudante de origem palestina organizador de protestos sem participação evidente em atos de violência, como invasão de prédios. Casado com norte-americana, ele tinha residência legal nos EUA, revogada arbitrariamente pelo governo, que o ameaça de deportação.
A administração de Columbia se encolhe diante do autoritarismo. Expulsou estudantes que ocuparam o Hamilton Hall, baniu máscaras em manifestações, aumentou o raio de ação da polícia externa no campus (nos EUA, é comum universidades terem sua própria corporação com poder de polícia). Yale segue na mesma rota, ao banir a professora-visitante iraniana Helyeh Doutaghi que dois anos antes convidara para ser vice-diretora do projeto Direito e Economia Política.
Falar em genocídio, defender a Palestina e mesmo elogiar o Hamas não é crime nos EUA, onde vigora uma doutrina maximalista da liberdade de expressão. Mas está se tornando um, na prática, com base no sofisma de que criticar Israel, ser antissionista ou pró-Palestina equivale a professar antissemitismo.
Em Harvard, lê-se em reportagem de Phillip Martin, manifestantes em favor de palestinos vêm sendo regularmente fotografados por membros de organizações sionistas radicais como Betar USA. As imagens vão para bases de dados que usam reconhecimento facial e inteligência artificial para delatar digitalmente pessoas consideradas “extremistas”, até judeus que criticam Israel.
É a hora da verdade para pesquisadores dos EUA. Ou saem em defesa da liberdade de crítica que define sua profissão, ou ficarão para a história como covardes que se curvaram a autocratas do neo-macarthismo, a exemplo de tantos reitores e professores de universidades brasileiras durante a ditadura militar (de má memória neste 31 de março).
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