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Impasse entre governo e Legislativo apontam para colapso fiscal


Com a medida provisória que busca compensar o recuo no aumento do Imposto sobre Operações Financeiras, rejeitado pelo mercado e pelo Congresso, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirmou sua estratégia de substituir o aumento de um tributo por outras taxações, evidenciando a falta de disposição para enfrentar o problema estrutural do crescimento dos gastos públicos. O Legislativo, por sua vez, resiste a aumento de impostos, mas evita temas sensíveis necessários para o ajuste. O impasse pode levar a um colapso fiscal.

Publicada na noite desta terça-feira (11), a MP eleva a alíquota sobre apostas (bets), de 12% para 18% da receita das empresas — após o desconto dos prêmios e do Imposto de Renda. Também prevê a cobrança de 5% de IR sobre aplicações hoje isentas, como LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), além do aumento de tributos sobre fintechs e cooperativas de crédito e da cobrança do IR sobre a distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP).

As medidas já haviam sido apresentadas no domingo (8) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a líderes partidários, como parte da estratégia para zerar o déficit primário — como determina a regra fiscal — sem novos congelamentos de despesas. Já estão bloqueados cerca de R$ 30 bilhões do Orçamento de 2025.

As críticas se multiplicaram no mercado financeiro, no empresariado e no Legislativo. O Congresso apressou-se em assumir a defesa da responsabilidade fiscal, embora também se recuse a abrir mão de emendas parlamentares — ponto central de tensão com o Planalto.

Já na segunda-feira (9), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disparou que não havia compromisso do Congresso de aprovar “essas medidas que vêm da MP.” E, nesta quinta (12), o deputado avisou que vai colocar em votação projeto de decreto legislativo para derrubar o aumento do IOF.

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Na quarta-feira (11), reafirmou: “Já comuniquei à equipe econômica que as medidas anunciadas em alternativa ao IOF irão ter resistência do Congresso. Temos que entender que apresentar soluções aumentando arrecadação sem corte de gastos não funciona”, disse Motta em evento realizado em Brasília. Ainda na quarta, partidos da base aliada — PP e União Brasil, que comandam quatro ministérios — anunciaram que vão fechar questão contra qualquer aumento de imposto.

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Medidas são “remendos”, avalia economista

Para os economistas ouvidos pela Gazeta do Povo, há um “jogo de empurra-empurra” das responsabilidades entre os poderes e o resumo é claro: o ajuste fiscal, apesar do discurso oficial, não é prioridade para ninguém.

“São medidas para tapar buraco, um remendo tributário, não um ajuste de verdade”, avalia Mauro Rochlin, professor da FGV-RJ. “Podem ajudar a cumprir a meta, mas sem corte de gastos, tudo isso será uma ficção.”

Juliana Inhasz, economista do Insper, diz que o impasse entre Executivo e Legislativo traduz a falta de disposição de atacar estruturalmente o desajuste das contas públicas e que o país caminha para um “colapso anunciado”. “Sem revisão das despesas obrigatórias, a corda arrebenta no final do ano que vem ou começo de 2027”, prevê.

Governo e Congresso sabem dos riscos do colapso. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 já trouxe projeções de que em 2027, primeiro ano da próxima gestão, deve faltar espaço fiscal para despesas discricionárias – aquelas que o governo pode usar livremente para custeio da máquina administrativa e investimentos, por exemplo. O cenário se agrava, segundo o PLDO, em 2028 e 2029, quando a margem para essas despesas deve ficar ainda menor.

O crescimento das despesas obrigatórias, que engessam o Orçamento, é amplamente conhecido. Atualmente, essa rubrica — que inclui aposentadorias, salários do funcionalismo público e benefícios sociais — já consome mais de 94% do total de recursos e, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), pode atingir 96% em 2027.

Armadilha do colapso fiscal foi criada por Lula

Na prática, a armadilha do colapso fiscal foi criada pelo próprio governo Lula, que restaurou mecanismos automáticos de aumento de despesas eliminados em gestões anteriores, como o reajuste real do salário mínimo vinculado ao PIB — que pressiona os gastos com benefícios previdenciários e assistenciais.

Além disso, quando assumiu, o Executivo conseguiu aprovar a PEC da Transição, que pôs fim ao teto de gastos, vigente desde 2017, na gestão Michel Temer (MDB). O arcabouço fiscal, que substituiu o teto, prevê um aumento das despesas de até 2,5% ao ano, mas restabeleceu os pisos constitucionais de gastos com saúde e educação, que haviam sido extintos. Como muitos gastos sobem em ritmo bem superior a 2,5% ao ano, o governo é obrigado a cortar outras despesas para não estourar o limite.

“Se você tem Previdência, Saúde, Educação e BPC crescendo acima do limite das receitas, não há como o problema estrutural possa ser resolvido no médio e longo prazo”, diz Rochlin.

O economista alerta que a situação se agravará com a volta dos precatórios ao Orçamento. No final de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou que os precatórios ficassem de fora do Orçamento de 2025 e 2026. Isso permitiu que cerca de R$ 44,1 bilhões referentes à despesa fossem excluídos do limite da meta fiscal deste ano.

A partir de 2027, a despesa, sozinha, pode consumir cerca de R$ 50 bilhões, segundo o PLDO. Somada às emendas parlamentares impositivas, restará ao governo algo em torno de R$ 70 bilhões para todas as demais despesas não obrigatórias, valor insuficiente até para manter o Estado operando em nível mínimo.

Congresso ensaia ajuste, mas não encara temas sensíveis

Além de impedir o aumento de impostos, o Congresso até ensaiou uma agenda de responsabilidade fiscal. O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem defendido medidas “estruturantes” focadas na redução de gastos.

Motta tem falado em corte de incentivos fiscais, desvinculação do salário mínimo dos benefícios previdenciários e flexibilização da vinculação obrigatória de recursos para saúde e educação. Também designou o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) como coordenador do grupo de trabalho responsável por apresentar uma nova proposta de reforma administrativa.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AM) reforçou a tentativa. “Há uma única verdade e um único caminho: nós estamos juntos, Câmara e Senado, para buscar uma solução estrutural para o Estado brasileiro em relação às contas públicas e ao equilíbrio fiscal”, disse na quarta-feira (11). “O Poder Legislativo não se furtará de debater todos os temas, mesmo aqueles espinhosos do ponto de vista partidário, político ou até mesmo eleitoral”, completou.

Temas mais sensíveis, no entanto, permanecem fora do radar tanto do Congresso quanto do Executivo. Especialistas alertam para a urgência de revisar benefícios como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus, considerados onerosos e ineficientes.

O Simples Nacional gera uma renúncia fiscal superior a R$ 100 bilhões por ano, com impacto limitado na formalização e distorções, como o fatiamento artificial de empresas. A Zona Franca de Manaus consome até R$ 35 bilhões anuais em subsídios, com pouco retorno produtivo e concentração regional dos benefícios.

Haddad tem citado a necessidade de revisões de isenções. O país abre mão de cerca de R$ 500 bilhões ao ano — cerca de 5% do PIB — em renúncias fiscais, muitas sem comprovação de eficácia e que reduzem o espaço orçamentário para políticas públicas.

Mas o Congresso não deve mexer num vespeiro de interesses de setores com forte poder de lobby. “Eu duvido que mexam nisso [nas isenções] agora. Acho que, se fosse para fazer, já teria sido feito”, afirma Rochlin. Para ele, o Congresso também segue a lógica eleitoral. “No que pesa realmente, não acho que o Congresso esteja disposto a mexer.”

Juliana Inhasz, do Insper, acredita que, tanto para Congresso quanto para o Governo, a ideia é ir fazendo os “remendos possíveis” para chegar até o ano eleitoral com as contas públicas “aparentemente saudáveis”. “A questão é se eles vão conseguir manter o equilíbrio mínimo esperado [com o cumprimento das metas], porque muitas receitas com as quais o governo conta são apenas previsões”, lembra. “De qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, a conta chega.”

Dívida pública pode levar à dominância fiscal

Para Rochlin, o colapso já vem sendo traduzido no aumento da dívida pública, que deve atingir 84,2% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2028, segundo o PLDO 2026. Caso a taxa Selic seja mantida nos 14,75% atuais, o peso dos juros ameaça dobrar o estoque da dívida em cerca de quatro anos.

A previsão do Fundo Monetário Internacional, que usa metodologia diferente, é ainda mais alarmante, prevendo o patamar de 94,7% do PIB em 2028 e 99,4% do PIB até 2029. “Isso é insustentável”, afirma. “Não adianta discutir superávit primário se o custo da dívida por si só já pressiona as contas de forma inadministrável.”

A redução dos juros — vista como essencial para aliviar o serviço da dívida — depende diretamente da convergência da inflação para a meta. Mas isso, por sua vez, só ocorrerá se houver controle efetivo sobre os gastos públicos. “Uma coisa puxa a outra”, explica o economista.

“Não dá para pensar em reduzir a despesa total, que inclui juros, sem conter rapidamente os gastos primários. Para que os juros caiam, é preciso um superávit estrutural e consistente.”

A falta de disposição do governo para enfrentar o nó dos gastos públicos se amplifica em ano pré-eleitoral. “Nenhum governo corta gastos próximo de eleição. Sobretudo este governo, que acredita que ‘gasto é voto’”, critica.

Para ele, o risco maior é o de o país entrar em uma situação de dominância fiscal — quando o descontrole dos gastos compromete a capacidade do Banco Central de controlar a inflação com a política monetária. “Estamos muito próximos do ponto de não retorno”, alerta Rochlin.



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