A tentativa do chefe da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, de emplacar um delegado no comando do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) enfrenta resistências no Congresso e entre alguns ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
As discussões para substituir o atual presidente do órgão, Ricardo Liáo, começaram em novembro e travaram no início deste ano. A escolha do delegado Ricardo Saadi para o posto criou entre autoridades o temor de uma influência excessiva da PF sobre um órgão que tem acesso a informações sensíveis de movimentações bancárias.
A certa altura, alguns envolvidos no processo de troca chegaram a dar com certo que o nome de Saadi havia sido descartado devido à oposição que ele enfrentava. Na última semana, no entanto, o delegado recebeu recados de que ainda há chance de ser nomeado.
O Coaf tem, entre outras funções, o papel de produzir relatórios de inteligência financeira que costumam subsidiar investigações da PF a partir da identificação de movimentações bancárias consideradas atípicas.
Atualmente, o Coaf está vinculado ao Banco Central, presidido desde janeiro por Gabriel Galípolo. A nomeação é feita pelo chefe da autoridade monetária por meio de uma portaria, mas uma indicação para um cargo importante costuma levar em conta também o apoio e a resistência acumulada em outros setores.
Segundo pessoas que acompanham o assunto, o problema não é especificamente Saadi, mas o fato de um delegado federal comandar o órgão. Um dos argumentos dos críticos dessa ideia é que integrantes da PF poderiam se aproveitar do controle do Coaf de forma extraoficial para investigar políticos.
Apoiadores do nome de Saadi, por sua vez, afirmam que o funcionamento do Coaf deve ser aperfeiçoado, principalmente para fazer uso de informações sobre o crime organizado, problema que tem gerado pressão sobre o governo federal. Os defensores do delegado da PF afirmam ainda que qualquer suspeita que recaia sobre políticos terá o encaminhamento previsto em lei.
O nome de Saadi para o comando do Coaf surgiu num momento de atrito da PF com o órgão.
Após o primeiro turno das eleições municipais de 2024, o diretor-geral da PF criticou o conselho. Andrei declarou à Folha que o órgão teria deixado de enviar comunicados referentes a R$ 50 milhões em transações suspeitas ligadas à compra de votos. O Coaf rebateu dizendo que havia atuado de forma integrada com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O atual presidente do Coaf está no cargo desde 2019, quando foi indicado pelo então chefe do Banco Central, Roberto Campos Neto. Servidor de carreira, ele já atuou como diretor de supervisão e secretário-executivo do órgão.
Saadi é hoje diretor de Combate ao Crime Organizado e Corrupção. Ele já comandou a Superintendência da PF no Rio de Janeiro, de abril de 2018 a agosto de 2019. Foi exonerado por pressão do então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).
À época, Bolsonaro alegou “problemas de produtividade” para substituí-lo. Ministro da Justiça naquela ocasião, Sergio Moro disse que houve uma ordem para a demissão de Saadi do posto.
O delegado é tido como especialista em investigações sobre lavagem de dinheiro e comandou o DRCI, departamento do Ministério da Justiça encarregado da recuperação de ativos e cooperação jurídica internacional, no governo de Dilma Rousseff (PT).
A piora da relação entre a PF e o Coaf se deu ainda em 2023 e teve origem em mudanças no setor de inteligência do conselho. Até julho, o chefe dessa área era José Carlos Coelho, funcionário de carreira do Banco de Brasil.
Ao lado de dois policiais federais, ele estava havia mais de cinco anos à frente do setor de operações especiais, que cuida de casos mais complexos —como os que envolvem organizações criminosas ligadas ao tráfico, corrupção e lavagem de dinheiro por meio de casa de apostas e criptomoedas.
Sua superiora imediata era a diretora de inteligência, Ana Amélia Olczewski, auditora da Receita cedida ao Coaf. A relação entre os dois começou a se deteriorar no final de 2023.
Segundo policiais, a desavença tinha como principal motivo as críticas da diretora ao modelo de atuação da equipe de Coelho —que, por sua vez, era bem vista por policiais federais e integrantes do Ministério Público.
Após o embate com o funcionário, Ana Amélia pediu para deixar o órgão. A atual direção da PF, então, chancelou o nome da delegada Silvia Amélia de Fonseca, escolhida pelo diretor do Coaf, Ricardo Liáo.
Ela foi nomeada em 9 de maio. Semanas depois, tirou Coelho da função, provocando irritação na cúpula da PF, que pediu imediatamente o retorno à corporação de todos os policiais federais cedidos ao Coaf, incluindo o nome de Silvia Amélia.
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