Jair Bolsonaro agora é réu no processo que julgará se ele fez o que obviamente fez e passou quatro anos deixando claro que faria.
Ninguém que não receba suborno para dizer o contrário nega que Jair é culpado: seu governo foi um flagrante de quatro anos do crime de tentativa de extinção do Estado de Direito. Comparado ao nível de certeza da frase “Bolsonaro tentou um golpe de Estado”, o teorema de Pitágoras é apenas um boato.
Diante da obviedade da culpa, o que está em julgamento é a capacidade das instituições brasileiras de punir os obviamente culpados. Na quarta-feira, a Primeira Turma do STF passou no teste.
A ministra Cármem Lúcia foi feliz em citar o livro de Heloísa Starling (“A Máquina do Golpe. 1964: Como foi desmontada a democracia no Brasil”. Companhia das Letras, 2024) sobre o golpe de 64.
Não foi só um floreio ou uma demonstração de erudição. Foi um forte argumento jurídico: Starling mostra que a história do último golpe foi um processo bem mais longo que os dias que antecederam a tomada do poder pelos golpistas de 1964. O golpe foi um longo processo, lutado em várias frentes, por muito tempo, em que golpistas diferentes desempenharam papéis diferentes. Quando algum dos acusados disser que só participou de uma parte da ofensiva golpista, sem nunca ter se comprometido com a coisa toda, não caia nessa.
Alexandre de Moraes fez bem em apresentar o vídeo mostrando o quão violento foi o 8 de janeiro —não, não foi um passeio de mães de família—, mas Flávio Dino fez melhor: lembrou que o golpe tentou instaurar uma ditadura com o objetivo de matar, censurar e torturar muito mais gente.
A Débora do batom, como todos os outros golpistas, foi à praça dos Três Poderes para pedir que o Exército anulasse os votos de dezenas de milhões de brasileiros pobres que elegeram Lula, muitas vezes tendo que andar grandes distâncias para votar porque o acusado Anderson Torres bloqueou estradas no dia da eleição.
Os criminosos do 8 de janeiro também pediam que o Exército matasse o candidato vencedor, as autoridades que impediram o golpe bolsonarista e qualquer um se opusesse ao novo regime.
Como a maior parte da Redação da Folha de S.Paulo, eu teria sido assassinado se o golpe tivesse dado certo.
Em seu voto, Luiz Fux lembrou que “embaixo da toga bate um coração”. Esse, para os bolsonaristas, era o problema. O golpe teria garantido que vários corações sob as togas do STF parariam de bater abruptamente.
O voto de Luiz Fux, aliás, foi mais confuso que os outros.
Não tenho problema com a proposta de revisar a dosimetria das penas, se a cada revisão de pena para baixo dos soldados-rasos houver uma revisão para cima da pena dos líderes. Se Débora não é tão culpada assim, Jair só pode ser mais culpado ainda. O batom que interessa é o do Jair na cueca do golpe.
Mas Fux ensaiou um argumento sobre “tentativa do ato consumado de tentar” que dói no nervo da lógica e é muito perigoso para o resto do julgamento. Espero que o ministro atente para não ser tentado a tentar a tentativa de continuar por esse caminho.
Foi uma boa semana para a democracia brasileira. O azar do mundo é que a democracia americana não foi capaz de produzir coisa semelhante depois do 6 de janeiro deles.
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