Depois de um show tecnicamente correto e cheio de acrobacias neste sábado, 29, o cantor americano Benson Boone chega à última música no Lollapalooza Brasil. A essa altura, ele já está com o colete aberto e em cima do piano com o pedestal do microfone, prestes a dar mais uma cambalhota em direção ao chão.
“Mesmo que vocês não tenham conhecido nenhuma música nesta noite, eu sei que sabem pelo menos algumas palavras da próxima. Então vamos cantar juntos. ‘Beautiful Things’.” O público comemora, levantando rapidamente os celulares para gravar o começo da canção reconhecida como o single mais vendido nas plataformas digitais em 2024.
O título não é pouca coisa. A faixa principal de “Fireworks & Rollerblades”, primeiro álbum lançado pelo americano também no ano passado, o levou até o Grammy de 2025, onde ele concorria ao prêmio de artista revelação —não ganhou.
Também o trouxe até o segundo maior palco do Lollapalooza Brasil, onde era aguardado por um público engajado, mas menor do que o tradicional para o mesmo horário de anos anteriores.
Boone serve uma mistura pasteurizada do que há de mais genérico nas músicas de nomes como Harry Styles e do indie pop e pop rock comercial dos anos 2010.
São canções bem feitinhas, mas com pouca alma, que dão espaço para que ele desfile seus agudos que arrancam aplausos do público. Praticamente todas elas criam momentos de explosão que garantem a energia de um pop épico ao show.
Esteticamente, ele tem uma postura de showman que já rendeu comparações a Freddie Mercury —como numa cópia para um programa de show de calouros, já que ele deu sete cambalhotas e mortais durante o show de hoje. Em certo momento, praticamente imitou a interação que Mercury costumava fazer com seu público.
O que ele entrega é o retrato perfeito de um movimento que ficou evidente no Lollapalooza deste ano, mas que já acontece com frequência em festivais maiores e mais comerciais —o da contratação de artistas projetados por um grande hit que chega a números impressionantes nas redes sociais, especialmente no TikTok. Só na programação deste sábado, estava acompanhado por ao menos três outras figuras que trilharam o mesmo caminho.
Também na faixa dos 20 e poucos anos e dos 50 milhões de ouvintes mensais no Spotify, a cantora canadense Tate McRae assumiu o palco principal do Lolla assim que o americano terminou sua apresentação. Levava na manga a mesma cartada do megahit na plataforma chinesa —o dela é a grudenta “Greedy”, que viralizou em 2023 e que também foi guardada para o final do show, filmada por muitos celulares.
McRae faz um pop repaginado com base na música dos anos 2000 de Britney Spears e Timbaland e capitaneado, em grande parte, por um velho conhecido dos rankings de música, o vocalista da banda OneRepublic, Ryan Tedder, que tem trabalhos com gente como Beyoncé, Taylor Swift e Adele.
Ao menos 12 músicas cantadas pela canadense neste sábado têm a caneta dele, incluindo “Greedy”. Ela, que tem três álbuns lançados, já tem mais estofo que Boone. Também faz um show mais divertido, muito por sua formação como dançarina —chegou a dançar na turnê de Justin Bieber em 2016 e competiu no reality americano So You Think You Can Dance.
Embora com mais personalidade, é um show pouco memorável, que em anos anteriores talvez acontecesse mais cedo, em um palco menor do festival.
Numa escala menor, os shows de Artemas, este dono do hit de TikTok “I Like the Way You Kiss Me”, também do ano passado, e de Nessa Barrett, que tocou ontem no Lolla a música de trend “Love Looks Pretty on You”, seguem caminho parecido.
Não coincidentemente, o produtor musical Evan Blair, que assina várias das canções de Barrett, também aparece nos créditos de composição da mesma “Beautiful Things” que fez Benson Boone decolar.
No domingo, 30, uma escalação que certamente ganhou uma forcinha do algoritmo pode se mostrar uma escolha acertada nesta edição, no entanto.
Os argentinos Ca7riel & Paco Amoroso, cuja apresentação no projeto americano Tiny Desk rodou a internet recentemente, talvez sejam uma luz neste embate entre números e talento, que, ao menos neste Lolla, não andam sempre juntos.
Os dois fazem uma mistura experimental e curiosa de gêneros musicais como trap, pop, cumbia e reggaeton e costumam tirar sarro dessa mesma indústria avassaladora do streaming.
Os impactos do algoritmo na forma em que a música é consumida já são analisados, mas os efeitos disso na experiência de um festival de música é parte subjetiva desta história, que começa a ser sentida na edição deste ano do Lolla.
Está na diferença entre passar por um show e encontrar um som estranho, não um registrado inúmeras outras vezes no cérebro por artistas que fazem variações da mesma música. E entre descobrir estes nomes pelo que eles são —não porque um algoritmo mandou, mesmo quando fora da internet.
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