A morte de um dos ícones do nosso basquete, Wlamir Marques, bicampeão mundial (1959 e 1963) e duas vezes medalhista olímpico de bronze (1960 e 1964) com a seleção brasileira, me trouxe de imediato uma memória.
Que não tem relação com a atuação dele em quadra, seja por clube (astro do Corinthians), seja pelo Brasil, já que não o vi jogar e o conteúdo disponível de audiovisual era escasso –se não era, ninguém fazia força para mostrar.
Lembrei-me de que Wlamir foi meu professor de educação física, no Colégio São Luís, no período do chamado ginásio (posterior ao ensino primário, anterior ao ensino médio). Incomodei-me, porém, por ter poucas recordações da época, cerca de 30 anos atrás.
Tenho estes registros: ele era mais velho que a maioria dos professores, já um senhor de meia-idade, com cabelos grisalhos; era taciturno e sério, nunca sorria; tinha predileção pelo basquete, o que não tornava suas aulas populares para a maioria, que queria mesmo era praticar futebol (incluindo eu, que, se tinha certa competência, era com os pés); não ficou o ano inteiro dando aula, deixou a função por alguma razão que desconheço.
Não consegui rememorar, contudo, como eram as aulas dele, nem em que série eu estava, se na quinta, na sexta ou na sétima, que hoje equivalem ao sexto, sétimo e oitavo ano do ensino fundamental.
Decidi recorrer aos amigos/colegas da época, hoje cinquentões como eu, para me ajudar. Só aos homens, pois as mulheres não tiveram aula com Wlamir –havia separação por gênero, e as meninas faziam educação física com uma professora.
Fiz contato com uma quinzena, e todos, à exceção de um, afirmaram se lembrar (uns mais, outros menos) do docente que um dia fora estrela do basquete, algo que poucos sabiam.
Surpreendi-me, entretanto, com a falta de padrão nas lembranças.
Ivan El Murr, fã de basquete, teceu elogios a Wlamir: “Boa lembrança… Ele ficava sentado no canto da quadra nos vendo. Me ensinou a entrar no garrafão na diagonal para fazer bandeja. E a forma certa do arremesso. Éramos muito novos para entender quem estava lá conosco”.
“Gostei de aprender com ele”, afirmou Luciano Ferreira, outro basqueteiro. “Gosto de basquete graças a ele e aos amigos que fiz no basquete.”
Ou seja, ele ensinava o esporte, incluindo os fundamentos, certo? Não, de acordo com outros com quem estudei.
“Na verdade, ele dava uma bola pra gente e mandava a gente se virar”, disse André Martins, apelidado Chita. “Não ficava passando fundamento, não era muito de ficar treinando fundamento. Soltava a bola lá [para os alunos]”, afirmou Eduardo Grosso, apelidado Índio.
E a série, qual foi? Sem confirmação. Uns disseram quinta, outros sexta, outros sétima. O tempo que Wlamir passou nos dando aula também não foi consenso.
“Na primeira aula, ele falou que gostava ‘um pouquinho’ de basquete, fazendo uma piada, mas que daria aula de todos os outros esportes também. Logo depois, ele foi substituído”, disse Luiz Claudio Bez. “Tivemos um pouquinho de aula com ele”, afirmou Luiz Otávio Ferreira, o Tavinho.
“Não me lembro de ter sido só no 1º semestre. Tenho a sensação de ter sido o ano todo”, disse Luis Eduardo Dix. “Lembro das aulas de basquete, obviamente, e de ele liberar a bola de futebol de vez em quando [risos].”
A personalidade de Wlamir, então, teve extremos, indo de “emburrado” e “disciplinador” a “sorridente” e “acolhedor”.
“Muito educado. Boa pessoa.” (Ricardo de Souza, apelidado Frequês) “Muito generoso e gentil.” (Guilherme Afif Domingos Filho) “Fala mansa, muito sereno.” (Rodrigo de Menezes, apelidado Tarugo) “Calmo, mas disciplinador.” (Dix) “Meio secão.” (Índio) “Muito sério! Sempre emburrado.” (Chita) “Muito doce com todos, humilde, sorridente, muito acolhedor.” (Zé Ricardo Pinotti, apelidado Mosca) “Um gentleman.” (Pedro Genta)
E esse foi o “multifacetado” Wlamir Marques, meu professor quando eu tinha 12 anos (ou 11, ou 13).
Este texto é um exemplo de que a excelente memória de quando somos jovens pode enfraquecer com o passar do tempo, tornando nossas lembranças pouco nítidas, turvas, imprecisas. Pessoas que viveram os mesmos momentos, juntas, têm recordações desiguais.
A solução para que no intervalo de 30 anos algo similar não aconteça com qualquer um? Documentar.
Que falta fazem vídeos de aulas do Wlamir. Naquele tempo, era inviável: sem celular, nada de filmar, só escrevendo no caderno –o que ninguém fez. Hoje, com os smartphones, dá para registrar tudo.
Ou dava, já que a partir deste ano os alunos ficaram proibidos de usar celulares nas escolas do Brasil… O jeito, então, é anotar logo depois, para não esquecer muito depois.
E antes que eu me esqueça: este texto, sobre basquete, é uma exceção, pois o blog é sobre futebol.
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