Após observar o céu por três anos, registrando nada menos que 15 milhões de galáxias espalhadas pelo cosmos, e combinar esses resultados a dados de outras iniciativas, o projeto internacional Desi sugere que a energia responsável pela acelerada expansão do Universo pode variar com o tempo.
Estamos falando do misterioso ente que os astrônomos chamam de “energia escura”, por falta de um nome melhor. Ninguém sabe o que ela é, mas, desde sua descoberta, no fim dos anos 1990, a melhor forma de encaixá-la no modelo cosmológico padrão foi tratá-la como uma constante cosmológica (ideia emprestada de Albert Einstein, que introduziu esse elemento em sua teoria da relatividade geral em 1916, pelos motivos errados). Ou seja, presumia que a densidade de energia escura no espaço permanecia constante ao longo do tempo, mesmo diante da expansão cósmica.
Até agora, essa noção permitiu descrever de forma aproximadamente correta, consistente com as observações, o que ocorreu no Universo desde o Big Bang, há cerca de 13,8 bilhões de anos. Com efeito, até mesmo os novos dados do Desi, sigla para instrumento espectroscópico de energia escura, resultado de três anos de operação em um telescópio de quatro metros no Observatório Nacional de Kitt Peak, nos EUA, ainda seguem compatíveis com esse modelo padrão.
Contudo, a coisa muda de figura quando esses resultados, que medem o deslocamento de milhões de galáxias às mais variadas distâncias, são combinados a outras medições, como as de supernovas, lentes gravitacionais fracas e radiação cósmica de fundo (o eco luminoso do Big Bang).
Juntando tudo, o quadro se desvia do modelo padrão e parece sugerir que a energia escura varia com o tempo. Segundo o grupo internacional de pesquisadores, que apresentou seus resultados em uma série de artigos no repositório arXiv e em uma reunião da APS (Sociedade Física Americana) realizada na semana passada na Califórnia, a energia escura parece estar perdendo força com o tempo.
Ainda não é conclusão segura. Normalmente, para físicos proclamarem uma descoberta, eles se obrigam a obter uma significância estatística de 5-sigma, ou seja, que a probabilidade de que o resultado possa ser fruto do acaso seja de 1 em 3,5 milhões. De acordo com os novos estudos, com diferentes combinações de dados adicionais somados ao Desi, eles chegaram a algo entre 2,8 a 4,2-sigma. Para efeito de comparação, uma significância estatística de 3-sigma equivale a uma chance de erro inferior a 0,3%. É pequena, mas não suficientemente perto de zero.
As consequências de uma energia escura que evolui com o tempo são importantíssimas. Não só obrigariam os cosmólogos a rever o modelo padrão (abandonando a ideia da constante cosmológica e, quem sabe, adotando outro conceito que ajude a esclarecer a natureza dessa misteriosa força), como a repensar o futuro distante do Universo. Pelo modelo padrão, o cosmos seguiria para sempre em sua expansão, diluindo-se até o infinito. Mas, se a energia escura estiver enfraquecendo com o passar do tempo, é possível que a gravidade volte a reinar no futuro, contendo a expansão e, talvez, levando a um Big Crunch.
O Desi segue trabalhando em sua missão de cinco anos, quando se espera que terá registrado cerca de 50 milhões de galáxias. Outros projetos, como o satélite Euclid, da ESA (Agência Espacial Europeia), também trabalham em varreduras desse tipo, o que ajudará a aumentar a precisão estatística. Com isso, o modelo cosmológico padrão pode mesmo estar com os dias contados –o que, para a ciência, é maravilhoso.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, em Ciência.
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