Economista e um dos grandes intelectuais do século 20, Albert Hirschman (1915-2012) publicou em 1991 “The Rhetoric of Reaction”, que viria a ser traduzido para o português como “A Retórica da Intransigência“. Nessa joia de inteligência e erudição, em menos de 200 páginas ele identifica três argumentos típicos da oposição reacionária a propostas de reforma progressistas: as alegações de perversidade, futilidade e ameaça.
Assim, para os refratários às mudanças, uma reforma seria “perversa” por agravar o problema que pretenderia resolver; “fútil” por não levar a qualquer resultado palpável; e “ameaça”, ao colocar em perigo outro objetivo, valor ou realização duramente conquistados.
Para ilustrar as teses da perversidade, futilidade e ameaça, Hirschman utilizou exemplos tirados da história, como a crítica de pensadores conservadores à Revolução Francesa de 1789; ao estabelecimento do sufrágio universal; e ao advento de políticas de bem-estar social. Mas não é difícil encontrar os argumentos da retórica reacionária em muitas das críticas negativas ao projeto de lei que trata de mudanças no Imposto de Renda, formulado pelo ministro Fernando Haddad e encaminhado ao Congresso pelo presidente Lula há uma semana.
Como se sabe, trata-se de dar isenção completa do tributo a quem ganhe menos de R$ 5.000 mensais e estabelecer crescentes descontos para quem receba entre R$ 5.000 e R$ 7.000. Para compensar a arrecadação perdida, propôs-se um modesto e progressivo aumento da contribuição dos cerca de 140 mil cidadãos que ganham acima de R$ 50 mil mensais. Uma proposta moderada —há muito esperada e prometida— no rumo da distribuição mais equânime da renda.
Por ser o que é, incluir tantos contribuintes —calcula-se que possa beneficiar cerca de 10 milhões de pessoas— e focalizar a questão da desigualdade de renda, as objeções à proposta não miraram sobretudo a isenção. Os que a ela se opõem dão como certo que o Legislativo mudará para pior o capítulo da compensação.
Assim, o projeto foi criticado por suas alegadas consequências perversas para a já delicada situação fiscal e pela perda inevitável de receitas caso não se aprove a elevação dos impostos pagos pelos mais ricos. Perversos seriam também os resultados se dividendos vierem a ser taxados, criando riscos indesejáveis de evasão fiscal e fuga de capitais.
Se não se obtiver o equilíbrio entre isenção e novas receitas, previsto no texto do Executivo, haverá mais inflação, que corroerá os ganhos obtidos pelos que deixarão de pagar impostos. E a reforma, em suma, terá sido fútil. Por fim, a crítica mais radical à iniciativa diz entendê-la como ameaça à existência de uma economia bem ordenada, à medida que a isenção do Imposto de Renda também para aqueles pouco acima da linha da pobreza fortaleceria a ideia de que a população não precisa pagar impostos.
Os críticos não apresentam uma única alternativa para melhorar o projeto, sem prejuízo da meta de maior equidade. Como nos exemplos oferecidos por Hirschman, a defesa do indefensável status quo não é declarada; desfila como vaticínio dos desastres que a mudança progressista poderá trazer. Nada de novo sob o sol.
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