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Os réus, entre a lei e a política – 28/03/2025 – Demétrio Magnoli

Na ditadura, o destino dos perdedores é a cadeia ou a morte. Na democracia, é a oportunidade futura de retornar ao governo. A principal virtude do sistema democrático reside nisso: a concorrência entre as elites políticas exclui o recurso à violência, protegendo a sociedade do espectro da guerra civil. Daí decorrem as liberdades públicas, a independência do Judiciário e a subordinação dos corpos armados ao poder civil. É à luz de tais conceitos que devem ser julgados Bolsonaro e seus asseclas, acusados pelo crime de tramar um golpe de Estado.

Nunca, desde a redemocratização, o STF encarou uma ação penal tão relevante. Os réus sabem que pesa contra eles um rochedo de provas incontornáveis. Resta-lhes apelar ao atalho clássico de exibir-se como vítimas de perseguição política. A estratégia repousa sobre os desvios judiciais de um STF que prefere a popularidade fácil aos rigores do devido processo legal.

Os juízes supremos que, antes, curvavam-se às vontades de Sergio Moro, conferiram a Alexandre de Moraes o papel de xerife-geral da democracia. Na sua encarnação passada, de secretário da Segurança de SP, Moraes foi tachado de “fascista” pela esquerda. Desde que tornou-se relator do inquérito-polvo sobre as fake news e os atos antidemocráticos, a esquerda transfigurou o “fascista” de ontem em indômito herói do povo. Suas peripécias legais oferecem aos réus a única chance de contestar o previsível desfecho da ação penal.

Moraes não é “juiz natural”: tornou-se relator pela lógica arbitrária do inquérito-polvo. Também não é um juiz legítimo: figura como vítima potencial do planejado ato inicial da conjuração golpista. Quando rejeita declarar seu impedimento, o STF presta um favor involuntário à defesa dos réus.

Não é o único. Embriagados pela noção demagógica de “justiça exemplar”, os juízes supremos condenaram os idiotas úteis das depredações na capital federal a penas hiperbólicas de até 17 anos de prisão. Hoje, diante do dilema posto pelo julgamento de Bolsonaro et caterva, começam discretamente a urdir fórmulas excepcionais destinadas a reduzir as penas daqueles condenados.

Há mais. A maioria dos réus menores do 8 de janeiro foi sentenciada pelo pleno do STF. Graças, porém, a mais uma reviravolta circunstancial do tribunal, o núcleo dirigente da trama golpista será julgado apenas pela Primeira Turma. Na hora da verdade, o STF tropeça nas placas luminosas com as quais enfeitou seu próprio percurso.

Os réus perderam a batalha política inaugural. O fracasso da manifestação bolsonarista de Copacabana atesta que as ruas já não os amparam. Mas a presença vergonhosa do governador paulista Tarcísio de Freitas ilumina uma encruzilhada histórica: a incapacidade da direita de expurgar suas inclinações golpistas.

Trata-se de um nó crucial da democracia brasileira. Na década que precedeu o golpe de 1964, líderes da direita multiplicaram suas visitas à caserna. O bolsonarismo desenrola esse fio antigo de nossa tradição republicana. A ação penal contra Bolsonaro e sua camarilha cívico-militar coloca lideranças como Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho Júnior frente a uma alternativa polar: os réus ou a democracia? A resposta a tal pergunta, mais ainda que a sentença do STF, indicará o estado de saúde do nosso sistema democrático.


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