Quando Nixon ascendeu ao Poder, em 1968, seu chefe de gabinete distribuiu cópias de “Presidential Power” (1960) de Richard Neustadt —um clássico da ciência politica— para todos os assessores do presidente. Após o escândalo do Watergate (1974), um desses assessores advertiu Neustadt : “você é corresponsável”.
A principal mensagem do livro é que os poderes constitucionais do Executivo americano eram muito limitados comparativamente falando. O foco eram as relações Executivo-Legislativo. Em coluna recente enumerei alguns exemplos da fraqueza do Executivo. Nixon distorceu a lição e abusou dos poderes presidenciais. Mais do que isso: utilizou a Presidência institucional em esquemas criminosos que levaram ao seu impeachment.
O problema de fundo era de desenho institucional. Mas havia outra questão em jogo: a lição que fica é que quando um presidente criminoso chega ao poder ameaça todo o sistema político.
Skowronek em clássico sobre o Estado americano afirma que o caso americano no final do século 19 era um “Estado de partidos e tribunais”, em forte contraste com o Estado construído pelas
monarquias europeias.
Esse estado de coisas levou Woodrow Wilson, ex-presidente dos Estados Unidos (1913-1921) a caracterizar o sistema político americano como “congressional government” e não presidencialismo. O próprio congresso neste período criou por delegação agências reguladoras independentes.
Durante o escândalo do Watergate, o “Massacre de Sábado à Noite” (demissão de três procuradores-gerais em um único dia devido a pressões de Nixon) mostra que o Ministério Público Federal americano —que é parte do Departamento de Justiça, órgão do Executivo— é vulnerável à interferência de um presidente. A Presidência não é fraca para o crime.
No contexto pós-Nixon, foi criada a figura (exótica para analistas internacionais) do procurador independente especial, que não pode ser demitido além de inspector generals (equivalente a CGU) com grande independência, os quais recentemente foram demitidos em massa por Trump.
Trata-se de questão recorrente na história americana: o poder de demissão (removal power) de membros da burocracia federal pelo presidente. A perseguição a procuradores especiais que investigaram Trump mostra a linha continuidade com a era Nixon.
O poder de demissão é parte essencial da chamada Teoria do Executivo Unitário que tem sido utilizada para legitimar intelectualmente ações unilaterais de Trump. A teoria sustenta que o Executivo tem total discrição sobre seus entes e órgãos, o que incluiria agências reguladoras e bancos centrais. A “tiranofobia” (Posner e Vermeule) nos Estados Unidos, segundo a teoria, é obstáculo para mudanças institucionais fundamentais.
Os Estados Unidos defrontam-se com o dilema de conter um presidente fraco constitucionalmente, mas forte para o abuso. Mas o fator decisivo, frequentemente esquecido, é o controle do Congresso: isto explica por que Nixon foi impedido (era minoritário nas duas casas) e Trump tenha sobrevivido a dois impeachments.
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