Parei no farol vermelho, olhei o celular, li o título do podcast na diagonal e captei só duas palavras: “Trump” e “detox”. Pensei: nossa, que maravilha, será uma nova moda? Em vez da pessoa fazer um detox de álcool, de carne, de carboidrato, ela faz um detox de assunto? Um mês sem falar, ler ou ouvir sobre Donald Trump? Um “dry january” (ou “february” ou “march” ou mesmo um ano inteiro) se desintoxicando de um tema depressivo? Só no outro farol vermelho li direito a descrição do podcast e vi que não era nada daquilo: “As medidas econômicas do Trump são um detox ou um veneno para os Estados Unidos?”. Não importa. Fico com meu engano. Detox de assunto. Gostei.
No Carnaval, viajei com uma turma e noventa por cento das conversas descambavam pra aquecimento global, as loucuras do Trump, os riscos das eleições de 2026 e outros temas tenebrosos. No sábado, já no café da manhã, alguém sugeriu: “pessoal, e se a gente combinasse de passar o dia inteiro sem falar sobre o fim do mundo?”. Foi um dia maravilhoso. Terminou com o sol se pondo no mar e o céu todo alaranjado não nos trouxe à memória qualquer ser humano da mesma cor.
Imagino um amigo organizando um jantar num grupo de WhatsApp. “Oi, gente, sobre sexta: alguém tem alguma alergia alimentar? Intolerância ao glúten ou lactose?”. Eu responderia: “Oie! Como qualquer coisa, mas a partir de amanhã vou entrar numa dieta com restrição de Bolsonaro. Tudo bem se nenhuma conversa tiver esse ingrediente?”. Uma amiga escreveria: “Putz, eu to fazendo uma tese sobre 2013, queria falar sobre”. O amigo responde: “Beleza, vou fazer então a sala com Bolsonaro, mas a cozinha é Bozo free. Pode ser assim?”. Eu, como aquela pessoa que come a feijoada vegana, com tofu e jaca fazendo as vezes de linguiça e carne seca, comeria na cozinha, falando sobre “White Lotus”, pilates e as últimas descobertas sobre o uso da psilocibina (princípio ativo dos cogumelos mágicos) no tratamento da depressão.
Alienado! Alienado! –gritarão alguns. Não os julgo. Sim. Vou me alienar desses temas. Mas vocês acham, ó, alguns, que a gente falar mal do Bolsonaro –ou do Elon Musk, do Trump, do Darth Vader– durante um jantar terá algum efeito sobre a realidade?
Lembro de uma coluna, acho que do Pablo Ortellado, durante a quarentena, falando dos efeitos deletérios do WhatsApp para a esquerda. A gente fica nos grupos elogiando artigos, posts e falas dos outros e soltando o verbo contra o que acha estar errado no mundo. Gasta, assim, uma energia que poderia aplicar de forma mais útil. “Parabéns, Fulano, sobre seu texto sobre os yanomamis!”. “Que absurdo o que Sicrano falou sobre a cloroquina!”. “Eu acho que a Ancine tinha que fazer tal e tal e tal pra melhorar a situação do audiovisual brasileiro”. “Que bizarro o que XYZ falou sobre as vacinas!”. Aí fechamos o WhatsApp e vamos almoçar, achando que fizemos algo pelo país. Não fizemos necas de pitibiriba. O país continua afundando, mas nós estamos bem na fita. Ou no grupo.
Projeto pros próximos três meses: cortar os doces, frituras e gordura. Não beber. Fazer exercício 4 vezes por semana e não falar sobre Trump, Bolsonaro e aquecimento global. O mundo provavelmente não vai melhorar nada, mas se eu fizer um hemograma de minh’alma, nossa senhora.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Deixe um comentário