Eles subiram no palco do Lollapalooza liderados por uma garota que pelos gestos e risos pareceu conquistar de imediato a simpatia do público. O show teve momentos de euforia, com Sophia Chablau correndo e gritando acompanhada pelas pancadas de Theo Ceccato na bateria, pela guitarra de Vicente Tassara e pelo baixo de Téo Serson.
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo é uma banda paulistana de rock que vem construindo um percurso promissor na cena nacional. O quarteto, que tem como influência desde bandascomo My Bloody Valentine e Radiohead até Caetano Veloso e Negro Léo, conseguiu criar uma marca própria em suas músicas.
No ano passado, tocaram em grandes palcos europeus como o Primavera Sound, em Barcelona, os únicos brasileiros daquela edição.
A primeira experiência performática de Chablau, porém, é bastante anterior. Com oito anos, junto a outros colegas da sala, ela corria pelo pátio do colégio balançando uma raquete, fingindo ser uma guitarra elétrica, enquanto berrava letras de músicas. Aqueles estudantes foram seu primeiro público, e o jardim da escola foi seu primeiro palco. O nome da banda? Bananas Assassinas.
Quando tinha cinco anos, seu pai, também músico, matriculou a filha numa escolinha de música. Seu primeiro instrumento foi o piano, mas suas mãos pequenas logo a forçaram a deixar de lado as teclas e a se dedicar ao violão. Aos 11, já fazia as primeiras composições.
Na adolescência, Chablau se envolveu com política estudantil e, por um momento, trocou o violão por cartazes de protesto. Em 2015, durante a chamada primavera secundarista, ela, que cursou o ensino público, ocupou sua própria escola, assim como muitos outros jovens fizeram na época.
“Existia uma ideia de classe dos secundaristas, era quase como se fosse todo mundo da mesma escola, se tinha uma convivência ali”, diz ela. Dessa militância estudantil surgiu a amizade com Arthur Merlino e o início da banda indie Besouro Mulher. Pouco depois, ela conheceria os garotos da Enorme Perda de Tempo, aos 18.
Mas só no terceiro colegial, ao frequentar a cena musical das escolas privadas de São Paulo, é que Chablau se aproximou de Theo Ceccato, Vicente Tassara e Téo Serson. A compositora havia sido convidada para se apresentar no Rio de Janeiro. Sem banda, procurou Ceccato, que sugeriu os outros dois para compor o quarteto. Desse show surgiu a banda em sua formação atual.
Chablau diz que o começo do grupo foi inspirado pelo que chama de um período de paixão artística mútua entre eles. Os meninos dizem que se encantaram com a capacidade da compositora de se comunicar, e ela, pela forma como eles tocavam. Ceccato descreve a união como uma “banda de ideias”, que tinha por interesse trocas filosóficas, reflexões literárias e o objetivo de fazer um som que os quatro nunca tinham feito.
No começo de 2019, eles lançaram o primeiro single da banda, “Idas e Vindas”, e no final do mesmo ano gravaram o que seria o álbum de estreia. Com a pandemia, porém, o disco só foi lançado em 2021, pelo selo Risco, e teve como produtora Ana Frango Elétrico. A artista carioca era uma grande referência para o quarteto e, em especial, para Chablau.
Com o trabalho que leva o nome do grupo, a banda logo chamou a atenção de jovens ligados à cena alternativa paulistana. Concorreram a prêmios como o da Associação Paulista de Críticos de Arte, além de aparecerem numa revista musical americana “como artistas para se prestar atenção” e serem apontados pela Rolling Stone como “uma banda que agitou o rock nacional”.
Tassara, o guitarrista, descreve Chablau como uma compositora prolífica. Quando o primeiro disco foi lançado, ele conta, todas as músicas do segundo álbum já estavam prontas. Quando indagada o porquê da escolha de revisitar canções antigas, em vez de usar composições mais recentes, a artista respondeu que “não necessariamente o que você faz agora é o que você quer dizer agora, a gente faz muita coisa para o futuro também, elas precisam maturar”.
Mesmo assim, o segundo álbum do grupo, “Música do Esquecimento”, só sairia dois anos depois, em 2023. Naquele mesmo ano, Chablau lançou seu primeiro álbum com o grupo Besouro Mulher, pelo selo Rockambole. Em ambos os discos, ela é a compositora principal.
Nesse trabalho, o quarteto chamou também o pianista Vitor Araújo para produzir e Ana Frango Elétrico para assinar a pós-produção. As faixas de “Música do Esquecimento” ganharam maior complexidade pelos arranjos de Araújo, e o disco acabou entrando para a lista da APCA dos 50 melhores álbuns daquele ano.
Segundo Araújo, Chablau é uma letrista perspicaz e uma melodista talentosa, “não tem nada sendo falado de graça, é tudo no ponto”. Ela conta, aliás, que tenta compor todo dia de manhã, entre o café e o almoço, “um pouquinho por dia faz a gente melhorar um pouquinho todo dia”, diz ela, lembrando um provérbio chinês sobre como a jornada de mil milhas começa com um único passo.
Hoje, Chablau considera que a passagem do tempo impõe o desafio de tentar repetir a mesma despretensão do início da carreira. “Algumas pressões vão surgindo”, afirma. Para evitar isso ela tenta se desligar de tudo quando compõe. “Quanto mais eu desencano, mais eu faço música que eu gosto, quando eu tento fazer algo para agradar aos outros nunca dá certo”, ela diz.
No começo do ano, a artista deu um novo passo na sua caminhada lançando pela primeira vez um EP fora de suas bandas, “Nova Era/Ohayo Saravá”. O recente trabalho é produto de sua parceria com o guitarrista Felipe Vaqueiro, da banda Tangolo Mangos. A dupla ainda vai abrir o show de Arnaldo Antunes no Circo Voador, no Rio de Janeiro, em abril.
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