Estava preparada para comemorar mais um exame médico sem alterações, clicando despretensiosamente sobre a palavra “resultado” enquanto trabalhava atrasada para levar a criança na escola, quando, de repente, lá estava, como quem não quer nada, um achado.
Li as palavras sem compreender muito, tomando consciência de que podia ser algo ruim, em um daqueles momentos em que não sabemos exatamente se estamos acordadas ou no meio de um pesadelo.
Copiei o nome da possível doença a ser considerada e, mesmo sabendo que não devia, joguei no Google para passar os próximos incontáveis minutos lendo sobre eventos raríssimos e devastadores, já projetando minha filha crescendo sem a mãe e minha mãe enfim descobrindo a causa de seus problemas de saúde que nos atormentam há 13 anos sem diagnóstico. Pior, comecei a imaginar que o que quer que existisse estaria também na cabeça da minha filha de três anos.
Acho que preciso de você, disse ao meu marido quando ele atendeu minha ligação dizendo que estava muito ocupado.
Já escrevi em um texto aqui no blog que sempre imagino os piores cenários em todas as situações e que, por isso, a cada vez que não se confirmam, sinto uma alegria quase proporcional à tristeza que teria sentido se acontecesse o contrário.
Mas não dessa vez. Dessa vez a correria do dia me capturou e eu teria sido surpreendida por qualquer conclusão que não fosse rigorosamente tudo dentro da normalidade.
Em um livro que li há muitos anos, “O doente imaginado“, o médico Marco Bobbio tece considerações ao que chamamos comumente de “quem procura acha”. Mesmo os benefícios de exames de rastreio de doenças graves, como cânceres, são questionáveis em muitos casos, porque, em termos populacionais, podem acabar gerando intervenções desnecessárias e angústias de eventos que, na maioria das vezes, nunca vão se realizar. A ressonância de crânio que fiz para investigar algo estranho e atípico que está acontecendo no meu olho direito não me ajudou a descobrir o problema que eu já tinha. E agora me criou um novo.
Conhecia os riscos de acontecer. Já deixei de investigar questões de saúde por isso. Nem tudo faz sentido, especialmente se não há muito que possamos fazer a respeito de eventual resultado.
Mas a vida não funciona em projeção de se’s e o que está feito está feito. Não adianta pensar que era melhor ter deixado para lá. Fiquei abalada, a ponto de meu marido marcar uma consulta com um neurocirurgião para olhar meus exames e ir sozinho. De minha parte, parecia suficiente me enrolar no edredom em posição fetal enquanto imaginava cenários horríveis para daqui a uma década.
Não foi a tranquilidade que o médico passou para o meu marido que me fez sair do torpor. Conviver com o risco aumentado de qualquer coisa assusta. Cresci sabendo que tinha muito mais chance de perder a visão do que a maioria das pessoas. Fui me adaptando à realidade e lendo o mundo com mais pressa. Depois que minha mãe teve um primeiro AVC hemorrágico, aprendi que sua chance de ter outros eventos era significativamente maior. Isso nos aproximou e fez com que estivéssemos muito mais juntas. Quanto mais tempo a gente acha que tem pela frente, pior a gente usa.
O que me tirou do edredom para fazer as coisas comuns do dia, e até escrever este texto, foi a negociação constante da vida que faço comigo. Se eu não sei quanto tempo de qualidade tenho, não vou ficar esperando ele passar. E se já vivo intensamente com a lembrança de que ninguém tem garantia de futuro, a cada susto que levo quero viver ainda melhor o presente.
Vou abraçar mais minha filha, prestar mais atenção na sua existência, aproveitar melhor os momentos em que posso fazer coisas simples como almoçar com a minha mãe ou meu marido e ouvir as histórias mirabolantes que só meu pai sabe contar.
Viver é sempre pra ontem.
PS. Terminei este texto antes de saber a opinião de um segundo neurocirurgião, dessa vez com a minha presença. Pela dificuldade para localizar a imagem em que lá estava pequenino e solitário meu achado, tive dúvidas de que outro radiologista, com menos tempo ou disposição, também o teria encontrado. Dez anos atrás, ele não seria nem mesmo detectável.
Vou pensar duas vezes antes da próxima investigação. Muitos exames são importantes e a chance de detectar algo precocemente que altera o curso de uma doença realmente existe com vários deles (o exame ginecológico Papanicolau, por exemplo). Mas há também diversos exames com altíssima incidência de falsos positivos e achados irrelevantes. Vale sempre se orientar bem antes de se submeter a eles. E desconfiar da avaliação dos resultados pelo Dr. Google, serviços de inteligência artificial e companhia.
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