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Retorno de ataques em Gaza são ataque à esperança, diz MSF – 01/04/2025 – Mundo


A retomada dos bombardeios de Israel na Faixa de Gaza, que interrompeu um frágil cessar-fogo de dois meses no território palestino, foi um “ataque à esperança” da equipe local da MSF (Médicos Sem Fronteiras), afirma o secretário-geral da organização humanitária, Christopher Lockyear.

“Ninguém escapou do impacto. Todos foram deslocados várias vezes. Todos perderam membros da família e amigos próximos. Coisas assim fazem você perceber o quão bárbara é a situação”, diz à Folha o engenheiro britânico, que lidera a entidade desde 2018.

Em fevereiro do ano passado, Lockyear foi ao Conselho de Segurança da ONU —a quem a organização recorre “quando não enxerga nenhuma outra opção”, segundo ele— para pedir um cessar-fogo. Na ocasião, ele denunciou um ataque a uma casa identificada com a bandeira da entidade que abrigava funcionários e suas famílias, matando duas pessoas.

Mais de um ano depois, dez funcionários da MSF já morreram no conflito, e uma trégua segue como uma das principais demandas da entidade.

Leia abaixo a entrevista concedida por Lockyear.

O sr. visitou Gaza em março do ano passado. O que viu?

Naquele momento, estávamos convivendo com o medo do que seria uma invasão de Rafah, porque o sul da Faixa de Gaza estava completamente tomado por pessoas que haviam fugido do norte e da área central. Um trajeto que costumava levar 10, 15 minutos de carro estava levando cerca de uma hora. As estradas estavam lotadas de abrigos para as pessoas que haviam se deslocado. Estávamos aterrorizados com a possibilidade de uma invasão de Rafah, e estávamos certos. Muitas das instalações médicas que visitei lá foram destruídas desde então.

De acordo com dados compilados pela ONU, mais de mil trabalhadores da saúde foram mortos em Gaza na guerra até agora, e apenas parte dos hospitais está operando. O que pode ser feito em termos de atendimento à saúde hoje no território?

Ainda temos algumas instalações médicas na área central e estamos tentando obter um acesso melhor ao norte. Mas a ajuda humanitária está bloqueada novamente, e nenhum caminhão entrou em Gaza desde o dia 2 de março —o bloqueio mais longo desde que a guerra começou.

Estamos vendo rupturas nas cadeias de suprimento de medicamentos chave. Morfina e tramadol, por exemplo, estão em ruptura ou em situação de pré-escassez. Paracetamol está em um nível de estoque muito baixo. Tratamentos para diabetes tipo 2, epilepsia, hipertensão e colesterol estão acabando. Itens para cirurgia têm menos de um mês de estoque.

Como a equipe reagiu à retomada dos bombardeios, na semana passada?

Há um esgotamento absoluto entre nossas equipes. Dizemos isso há meses e meses e meses. É um ataque à esperança e ao bem-estar físico e mental de nossas equipes.

De acordo com o Ministério da Saúde em Gaza, 50 mil pessoas foram mortas no território desde o início da guerra. Muitas pessoas desconfiam desse número porque a pasta é controlada pelo Hamas. O que o sr. pode dizer sobre essa cifra?

Não somos estatísticos, não estamos coletando esses dados. O que posso dizer é que não temos razão para questioná-lo. É claro que dezenas de milhares de pessoas foram mortas. Isso é óbvio. Estamos vendo pessoas mortas na nossa frente. Estamos vendo pacientes chegando às instalações hospitalares há meses. Também sabemos que não estamos vendo pessoas que foram mortas e estão presas sob os escombros. Então não temos razão para não acreditar.

No ano passado, o sr. disse no Conselho de Segurança da ONU que mulheres estavam dando à luz fora de hospitais e crianças estavam sendo operadas sem anestesia. O que mais ouviu de sua equipe no território?

Estava conversando com uma psicóloga que fazia sessões de terapia em grupo com crianças, e ela mesma havia perdido oito membros da família nas semanas anteriores. Estávamos em uma situação em que precisávamos de psicólogos para os psicólogos. Ninguém escapou do impacto. Todos foram deslocados várias vezes. Todos perderam membros da família e amigos próximos. Coisas assim fazem você perceber o quão bárbara é a situação. As pessoas estão contidas em uma prisão a céu aberto e são bombardeadas repetidamente sem ter para onde fugir.

Israel costuma dizer que os hospitais são alvos legítimos porque supostamente são usados por membros do Hamas. Como o sr. vê essa acusação e a forma como os ataques são conduzidos?

Instalações de saúde nunca deveriam ser um alvo nem deveriam ser usadas para qualquer atividade militar. Apelamos a ambos os lados para tentar garantir que isso não aconteça. Mas estamos vendo uma destruição do sistema de saúde e do tecido social, mais amplamente, em Gaza.

Lançamos um relatório em dezembro sobre o número crescente de especialistas dizendo que o que ocorre em Gaza é um genocídio. E dissemos que, por meio de nossas atividades médicas, estávamos vendo uma série de indícios que se alinham com isso, em particular no norte, onde vimos sinais claros de limpeza étnica. Afirmamos isso sabendo que, para um genocídio ser declarado, é necessário haver intencionalidade, o que está fora da nossa capacidade de determinar.

A organização enfrenta acusações de que teria um viés anti-Israel ou pró-Hamas. Como enxerga essas colocações?

Falamos sobre o que vemos. Vimos uma campanha bárbara de Israel em Gaza. Também dissemos muito claramente —e eu disse isso ao Conselho de Segurança— que o que o Hamas fez em 7 de outubro de 2023 foi absolutamente repugnante. Apelamos a ambos os lados para respeitar as instalações médicas e os civis; apelamos a ambos os lados para garantir que o cessar-fogo retorne. Mas, ao mesmo tempo, vimos que o Exército israelense matou dezenas de milhares de pessoas em Gaza. Qualquer que seja a precisão desses números, é indiscutível que houve dezenas de milhares de pessoas que foram mortas.

Como o sr. analisaria o papel da comunidade internacional nos conflitos atuais, especialmente o Conselho de Segurança?

Acho que no momento estejamos vendo um fracasso da agenda de paz e segurança. Para mim, as pessoas estão se voltando contra a ajuda humanitária para compensar esse fracasso. Não somos financiados por governos, mas trabalhamos com organizações que são. Cada vez mais pessoas têm se voltado para a assistência humanitária, nas quais os conflitos não podem ser resolvidos. E as organizações humanitárias estão ficando de mãos atadas por causa da redução no financiamento dos Estados Unidos, mas também do Reino Unido, da Bélgica e da Holanda, por exemplo.


Christopher Lockyear, 46

Britânico, secretário-geral da MSF desde 2018, é engenheiro com mestrado em filosofia na Universidade de Exeter, na Inglaterra. Já foi diretor de operações da Action Against Hunger.



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