O jornal italiano Il Foglio anunciou uma edição 100% produzida por IA (inteligência artificial), noticiaram a Folha e outros jornais, feitos ainda majoritariamente por humanos. “Nas redes sociais, o veículo italiano comemorou que o suplemento virou notícia no britânico The Guardian, além de outros jornais de França, Alemanha e Índia”, informava este jornal.
Os leitores, por outro lado, parecem não ter ligado muito, apesar do bom relato do repórter Pedro S. Teixeira. Nem os mais vocais. Um único comentarista, Carlos Alexandre, depositava ali seus votos: “Tomara que os donos dos jornais, já tão esvaziados, no Brasil não leiam essa matéria”.
Ocorre que a IA é uma realidade presente e inescapável. As traduções automatizadas da Folha, por exemplo, não são novidade, e o jornal se mantém firme na ideia de que não é necessário informar ao leitor que a versão em português de um texto traduzido é feita com essa tecnologia.
“A Folha não indica o nome ou o gênero dos aplicativos e outras ferramentas tecnológicas que usa como atividade-meio para a produção de conteúdo. A responsabilidade por traduções ou trechos transcritos de fala para texto, para usar dois exemplos, é sempre dos nossos jornalistas. Eles devem zelar pelo material e fazer as modificações necessárias para que o produto entregue ao leitor siga os nossos padrões de qualidade”, afirma o secretário de Redação Vinicius Mota.
Seria importante que o jornal deixasse claro quando, no conteúdo oferecido a quem o lê, está usando IA. É menos questão de indicar os meios e mais sinal de cautela com um recurso cujas implicações e direções ainda não são totalmente conhecidas.
Em meados do ano passado, funcionários da OpenAI divulgaram uma carta em que denunciavam imprudência da empresa rumo à “super IA”. Neste momento, é a própria OpenAI que escreve uma carta aberta enumerando suas propostas ao governo americano. Entre os pontos sensíveis, está o uso de material com direitos autorais para treinar a IA, com argumento um tanto chantagista, mas realista, de que se os EUA não o fizerem vão perder a corrida para a China, cujo DeepSeek obrigou o mercado a se reorganizar. O site de tecnologia AppleInsider resumiu a proposta da OpenAI como “legalizar o roubo ou perder para a China”.
Em outro canto da briga da IA, a revista The Atlantic lançou nesta semana um serviço de consulta à base de dados LibGen, associada à pirataria, para que autores consultem se seus trabalhos podem ter sido usados para alimentar a IA das Big Techs, notadamente a da Meta, que está no centro de uma disputa judicial com autores nos EUA.
Com tamanho estimado em 7,5 milhões de títulos e 81 milhões de artigos científicos, a base é pródiga em recolher muito do que é publicado mundo afora. O Manual da Redação da Folha, por exemplo, está lá, em versões desatualizadas (2007 e 2018). A versão mais recente é de 2021, e um verbete sobre IA foi incorporado a ela em 2023.
O Estado de S. Paulo expôs aos leitores sua política também no final de 2023, na esteira da primeira grande onda da inteligência artificial generativa. O Grupo Globo, no ano passado, publicou a sua.
Além da transparência sobre o conteúdo, agora entram em cena também os acordos com as empresas detentoras dessas tecnologias. No mês passado, o The Guardian anunciou “parceria estratégica” com a OpenAI que permitiria a inclusão do conteúdo do jornal e de seus arquivos no banco da inteligência artificial e o uso do ChatGPT Enterprise para desenvolvimento de novos produtos. O Financial Times também o usa. A lista de acordos da OpenAI é extensa e inclui El País, Le Monde e Vox Media. A briga judicial, encabeçada pelo The New York Times, também é grande.
Neste sábado, o Il Foglio soltou um resumo do que chamou de “semana louca”, a primeira do experimento que deve durar um mês. “Il Foglio AI produziu algo estranho: um jornal de verdade, mas sem carne. Uma refeição completa, mas vegana. Nutre, mas não engorda. Faz pensar, mas não faz você querer ligar para o autor e dizer que ele escreveu besteira. Porque não há autor. Existe apenas uma inteligência artificial que responde às solicitações dos editores —os verdadeiros protagonistas invisíveis da operação”, diz a avaliação, também escrita pela IA a partir das instruções dos editores (“no estilo de Il Foglio, com um pouco de irreverência”).
A resposta esquece outros protagonistas, os repórteres. Mas ao menos reconhece que falta à IA um elemento fundamental em qualquer Redação: escutar, de verdade, quem está do outro lado.
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