A história pessoal da economista Keyu Jin, 42, reflete o passado não tão distante da amistosa relação entre China e Estados Unidos. Filha de um membro do alto escalão do Partido Comunista, que foi vice-ministro das Finanças e presidente de banco, ela deixou Pequim nos anos 1990 para estudar nos EUA, onde cursou ciências econômicas em Harvard.
Como se sabe, a amizade entre as duas potências sofreu abalos nos últimos anos. Testemunha dessa mudança e de muitas outras na economia chinesa, Jin diz que se propôs a ler o seu país “em sua língua original” e traduzi-lo no livro “A Nova China: Para Além do Capitalismo e do Socialismo”, publicado em 2023 nos EUA e lançado no final do ano passado no Brasil.
O trabalho da economista pode ser definido como um guia para leitores estrangeiros de como funciona a gigante e intrigante economia do país. A autora não esconde sua visão otimista em relação às transformações chinesas, às perspectivas para o seu futuro e aponta erros de analistas externos.
“O Ocidente previu seis colapsos econômicos na China desde 1980. Nenhum ocorreu. Há quem diga que agora chegou a vez, mas não vejo elementos para sustentar essa previsão”, afirma Keyu Jin à Folha.
A pesquisa para o livro foi feita quando os efeitos do primeiro mandato de Donald Trump, de 2017 até 2021, eram sentidos. Agora, o republicano volta ao poder e promete acirrar mais a disputa entre os dois países, com aumento de tarifas para importação.
“A guerra comercial acabou globalizando as empresas chinesas”, afirma. “Foi um resultado não esperado. Elas tiveram que abrir novos mercados e passaram a produzir fora. Para o Brasil é uma oportunidade”, afirma.
Jin vê a potência asiática mais preparada do que no primeiro governo trumpista. Justifica que houve queda na dependência em relação ao mercado americano na comparação com 2017. O futuro presidente, segundo ela, foi o primeiro a trazer de maneira aberta a mensagem de que os “EUA estão tentando parar a China”.
A disputa entre as duas potências está no livro, mas não é isso o que o diferencia de tantos outros sobre o assunto. É no didatismo ao explicar aspectos peculiares da sociedade chinesa que a economista consegue servir de tradutora, como se propõe.
Faz isso no capítulo em que descreve o que define como o “caótico”, “tumultuado” e “subdesenvolvido” sistema financeiro do país. O Estado, explica ela, não apenas “regula os bancos mas também é proprietário principal” deles.
O país acumulou quedas no mercado de ações, registrou casos de inadimplência em bancos, mas nenhum desses eventos levou a colapsos financeiros e a contração da economia, relata. O “sistema imaturo”, nas palavras dela, foi quem tirou o país de crises. A boia de salvação estatal, porém, veio com seguidas punições aos responsáveis por erros.
Outra particularidade chinesa é o que ela chama de “economia dos prefeitos”, em que os administradores locais têm autonomia, acesso à crédito e competem ao captar empresas para suas regiões.
Em um regime sem eleição direta para esses cargos, o que leva os prefeitos a terem tanta ambição em fazer suas cidades crescerem? “Eles querem ser promovidos, alçar-se a cargos melhores em regiões mais ricas”, explica ela, que descreve a competição entre os burocratas como um dos fatores de sucesso da economia.
A relação próxima entre funcionários públicos e empresas gerou desvios, como casos de corrupção e crescimento da dívida interna. Os problemas são relatados por Jin, que critica alguns efeitos da mão pesada do Estado.
Há uma “necessidade de intervir constantemente a fim de preservar a estabilidade. Quanto mais intervém, mais cria distorções. No futuro, mecanismos de mercado precisarão ter mais peso do que o Estado”, escreve.
Ao mesmo tempo, ela vê nas análises mais negativas, principalmente vindas dos EUA e da Europa, uma falta de percepção “da cultura e das relações” no seu país.
Segundo ela, a força do Estado se alimenta da expectativa das pessoas. “É um contrato social implícito que precisa ser compreendido para se entender a economia e a sociedade chinesa como um todo.”
O livro não aborda temas relacionados a liberdades individuais e direitos humanos, sensíveis a Pequim, o que gerou questionamentos em resenhas publicadas no Ocidente.
“Se você escrever um livro sobre política monetária e economia dos EUA não será criticado por não tratar do que foi feito pelo país em guerras nos últimos 40 anos”, responde.
RAIO-X | Keyu Jin, 42
Economista chinesa autora do livro “A Nova China: Para Além do Capitalismo e do Socialismo”. Estudou em Harvard e é professora da London School of Economics.
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