O aumento de tarifas de importação dos Estados Unidos promete mudar a feição das cadeias produtivas e da geopolítica do planeta. O anúncio, nesta semana, como parte de uma estratégia americana de reciprocidade e defesa da indústria doméstica, traz rupturas para a dinâmica do comércio e da economia global.
A minha geração vivenciou a consistente expansão do comércio internacional, com integração das cadeias globais. Desde então, o total das exportações sobre o PIB global saltou de 12% para 30%, e os fluxos de comércio cresceram 38 vezes. Com a criação do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), em 1947, barreiras foram reduzidas e diversos tratados comerciais foram criados. Em 1995, o Gatt foi substituído pela OMC (Organização Mundial do Comércio), e um evento marcante foi a entrada da China na entidade, em 2001, que trouxe mais velocidade ao processo.
O mundo assistiu ao crescimento médio de 3,3%, entre 1985 e 2008, com menos volatilidade, baixa inflação e inclusão de milhões de pessoas nos mercados de trabalho e de consumo. O planeta saiu da Guerra Fria, reduziu o número de conflitos geopolíticos e viu novas democracias liberais se consolidarem.
As tarifas anunciadas na quarta-feira (2) afetaram pesadamente a Ásia e a Europa (tarifas entre 10% e 54%), com a América Latina, relativamente, menos impactada (tarifas de 10%). Os EUA, além da China, são o principal destino das exportações brasileiras, respondendo por cerca de 12% do total enviado ao exterior e mantendo uma balança comercial bilateral praticamente equilibrada. Com a nova tarifa, os produtos nacionais perderão competitividade, resultando, previsivelmente, em queda nas exportações e piora no saldo comercial. As estimativas preliminares apontam perdas entre US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões.
O petróleo e seus derivados, principais itens da pauta exportadora, se mantiveram isentos das tarifas. Mas as barreiras sobre o aço, segundo produto mais importante, subiram para 25% no início de março. Para os demais itens, tarifas mínimas de 10%. As indústrias de maior valor adicionado, como a aeroespacial, poderão sentir impactos, já que os EUA são seu maior mercado externo (54%). Os produtos agrícolas, como o café, podem ser redirecionados a outros mercados, mas, provavelmente, haverá perdas de margem.
Com menor entrada de dólares, o real tende à depreciação, e isso encarece produtos importados, alimentando a inflação. Em um cenário ainda marcado por juros elevados nos países centrais, a combinação de câmbio pressionado e alta de preços dificulta o afrouxamento da política monetária, podendo inibir investimentos domésticos e elevar o custo do capital. Além disso, o episódio afeta a percepção de risco por parte de investidores internacionais, especialmente se houver dúvidas sobre a capacidade de resposta institucional do Brasil.
No campo diplomático, é essencial acionar os canais adequados —incluindo a OMC— para questionar a medida, buscando reversão ou compensação. Em paralelo, seria urgente acelerar a diversificação de mercados e produtos exportáveis, reduzindo a vulnerabilidade externa.
Também ganham importância as reformas para fortalecer a competitividade sem recorrer a subsídios, o que pressionaria ainda mais as contas públicas e as taxas de juros. A devolução mais ágil de créditos tributários, o que já deverá ocorrer no escopo da reforma tributária, a desburocratização aduaneira, a modernização de portos e melhoria da infraestrutura logística são medidas de alto impacto que não implicam renúncia de receita. Da mesma forma, avanços em reformas estruturantes —tributária, administrativa e regulatória— podem contribuir para aumentar a eficiência sistêmica e reduzir o “custo Brasil”, mitigando os efeitos de barreiras externas. O Brasil precisa fortalecer suas defesas para a inflexão protecionista global, principalmente mediante retaliações das nações mais atingidas.
O risco sistêmico é a retração do comércio internacional em um momento de desaceleração da economia mundial. Os países exportadores líquidos, como Brasil, Índia e Alemanha, podem sofrer perdas simultâneas de demanda externa. Além disso, a imprevisibilidade gerada por medidas unilaterais aumenta a aversão ao risco e retarda decisões de investimento. O retrocesso na abertura comercial compromete a produtividade e o crescimento de longo prazo.
Mais tarifas dos EUA são, portanto, um teste à resiliência externa do Brasil. Ao sinalizar medidas de reforço à competitividade das suas empresas —em vez de se isolar—, o país pode transformar esse desafio em oportunidade e se reposicionar como supridor confiável das cadeias globais, que estarão cada vez mais sujeitas a instabilidade e imprevisibilidade.
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